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Salmos


Breve Introdução ao Livro dos Salmos
O livro dos Salmos é o maior dos livros da Bíblia: 150 capítulos!  Mesmo assim só uma parte dos salmos está no Livro dos Salmos. A outra parte, bem maior,  está espalhada pela Bíblia, em quase todos os seus livros, tanto do AT como do NT. Há mais Salmos fora do livro dos Salmos do que no próprio livro dos salmos. A oração dos salmos é como a água do rio: percorre e fertiliza a história e a vida do povo de Deus, do começo ao fim (cf Sl 46,5). Vamos acompanhar o seu curso, desde a nascente até o mar.
1. A Nascente
A nascente é o lugar onde a água está dentro do chão, nas cabeceiras do rio. A nascente do rio dos salmos é a experiência de Deus nas contradições da vida; é a convicção de que Javé, Deus vivo e libertador, está presente na vida. Ele nos ouve quando o invocamos. A raiz dos salmos é a certeza de que Deus escuta o nosso clamor. Este aspecto merece ser aprofundado. Veja uma sugestão no fim destas páginas.
2. As Fontes
As fontes são os lugares onde a água sai do chão e começa a correr sobre a terra. As fontes do rio dos salmos são os motivos que levam o po­vo a rezar. Cada salmo tem o seu motivo. Alguns motivos aparecem com maior freqüência. Até hoje, os mesmos motivos estão na origem das nos­sas orações e revelam, assim, a afinidade dos sal­mos com a nossa vida. Eis alguns destes motivos:
1. A história. O passado é lembrado para cantar as maravilhas de Deus (Sl 105); animar as pessoas (Sl 107); levá-las à conversão (Sl 106); para agradecer: “Eterno é seu amor!” (Sl 136).
2. O conflito entre fé e realidade. Provoca a crise de fé. O presente é tão diferente do passado! Será que Deus mudou? (Sl 77,11). O mal venceu? (Sl 14 e 53): “Vou seguir o exemplo deles!” (Sl 73,15).
3. O sofrimento. O sofrimento gerou o maior número de salmos: perseguição (Sl 3), solidão (Sl 142), doença (Sl 41), escuridão (Sl 88), etc. O sofrimento provoca desejos de vingança (Sl 109).
4. A lei de Deus. “Felizes os íntegros que andam na Lei do Senhor” (Sl 119,1). Alguns salmos revelam a mística profunda a que o povo chegou observando a Lei de Deus (Sl 19 e 119).
5. As festas do povo. Muitas festas! Da semeadura à colheita! As três grandes fes­tas do ano (Ex 23,14) com suas romarias ao Templo marcavam o ritmo da vida orante do povo (Sl 120 a 134).
6. A busca da presença de Deus. “Senhor, há muito que te procuro!” (Sl 63,1): no Templo (Sl 23,6; 27,4; 84,1-5; 122,1); em todos os momentos da vida (Sl 139); na presença dele, para sempre (Sl 16,11; 49,16)
8. A penitência. A história ensina que o perdão de Deus é maior que o pecado (Sl 106) e que sem Deus não há saída (Sl 30,7-8). Por isso pede perdão (Sl 51). A confissão liberta (Sl 32,5-8).
9. A natureza. “A Tua presença irrompe por toda a terra!” (Sl 8,2). Na harmonia do Universo, descobrem a força da Palavra de Deus que os conduz (Sl 33,4-12; 19,2-7; 104; 29,3-9). (Veja sugestão no fim)
10. A esperança. É a última que morre! Eles esperam pela libertação e pedem para que Deus realize suas promessas (Sl 2; 72). “Espero ver a bondade do Senhor na terra dos vivos!” (Sl 27,13).
3. Os Córregos
Os córregos são os pequenos leitos que a água vai formando ao sair do chão. Os córregos que alimentam o rio dos salmos são os assim chamados gêneros literários. Eles indicam a maneira como o povo costumava expressar-se na oração. Eles canalizam a água das fontes. Para perceber o alcance dos gêneros literários, convém refletir sobre os nossos gêneros literários: benditos, lamentos, trovas, excelências, desafios, congada, etc; e as nossas modas musicais: valsa, marcha, samba, bolero, moda de viola, etc. Cada um destes “gêneros literários” e “modas musicais” revela algo sobre o nosso jeito de ser e sobre a nossa maneira de rezar, de cantar e de fazer festa. Cada gênero e cada moda tem suas características e seus limites. Por exemplo, quem quer fazer música para enterro, não vai pegar o ritmo rock. Noite Feliz não serve para Sexta Feira Santa. Por que? A resposta a esta pergunta é evidente. Ela ajuda a entender o sentido e o alcance dos gêneros literários para a oração dos Salmos.
4. O Rio
O rio é a correnteza que se forma com a água dos córregos e que, em seguida, percorre e irriga o país. O rio dos salmos é a oração que percorre e irriga a história. Os salmos são o lado orante da história do povo de Deus. Alguns momentos ou situações do passado são lembrados com maior freqüência: a Criação (Sl 104); o tempo do Êxodo (Sl 105; 114); o tempo dos Reis com suas festas: casamento (Sl 45), coroação (Sl 21), projetos (Sl 101), guerras (Sl 20); a destruição do Templo (Sl 74; 79; 80); a dispersão depois do cativeiro (Sl 44,10-13).
5. O Barco
O Barco acolhe, carrega e protege as pessoas e as leva rio abaixo até o porto do destino. No rio dos salmos, o barco é tudo aquilo que dá identidade às pessoas e as protege: é a comunidade, que carrega os indivíduos como num barco; é a situação em que o povo se encontra e que leva a rezar; são as gerações que se sucedem no decorrer da história, transmitindo sua fé, sua esperança, seu amor, sua busca de Deus, sua vontade de caminhar e de lutar por uma convivência humana mais justa. Nos salmos transparece a situação da comunidade e do povo: situação econômica, social, política e ideológica; transparecem suas crises, lutas e sofrimentos; transparece sua fé, sua esperança, seu amor, suas tradições. O estudo desta situação do povo ajuda a ligar os salmos com o nosso hoje. Pois na situação conflituosa do povo daquele tempo reconhecemos algo de nós mesmos, algo dos nossos problemas e conflitos.
6. Os Romeiros
Nos salmos transparece não só a caminhada do povo, como também o itinerário pessoal de cada romeiro em direção a Deus. Não é só o povo que reza os salmos. Cada membro do povo reza a Deus. Grande parte dos salmos são orações na primeira pessoa do singular (Sl 3; 4; 5; 6..etc). É o indivíduo que reza e derrama diante de Deus sua situação pessoal e do povo. No tempo de Jesus, todos sabiam os salmos de memória. Sobretudo os lamentos individuais mostram como a luta pessoal de cada um e a luta do povo formam uma unidade. Ambas as lutas são importantes e se entrelaçam numa unidade indivisível. “O povo de Deus no deserto andava… Também sou teu povo, Senhor…!”
7. Os Remos
Os remos são a força que mantém os barcos em movimento. A força que mantém o povo no rio dos salmos e o leva a não desistir da viagem é a Aliança, a vontade de viver o compromisso com Deus e com seu povo. A Aliança é uma iniciativa gratuita do amor de Deus que, sempre de novo, surpreen­de seu povo e o convoca a recomeçar, apesar das falhas e infidelidades. A Aliança é também o desejo do povo de ser fiel a Deus, a sua vontade de observar a Lei e de viver como Povo de Deus. A Aliança é o coração do Povo de Deus. Os salmos são o eletrocardiograma que registra as pulsações deste cora­ção ao longo da história. Por exemplo, os salmos levam a “meditar a Lei do Senhor” (Sl 1,2) que é o instrumento da Aliança, e lembram suas exigências (Sl 15,2-5). A certeza do salmista em Javé (Sl 4,8-9), presente em Sião (Sl 46), vem da certeza da Aliança; de lá nasce a coragem de gritar e a certeza de ser atendido (Sl 77,2). A transgressão da Aliança leva ao julgamento e à condenação (Sl 50).
8. O Piloto
O piloto orienta o barco e o conduz são e salvo para o cais do porto. O piloto que orienta o barco no rio dos salmos é Jesus. Foi a partir da vida e do ensinamento de Jesus que o barco retomou o rumo do porto. A sua paixão, morte e ressurreição são a nova chave de leitura que nos revela o sentido profundo dos salmos e nos ajudam a rezá-los como sendo nossa oração. Jesus usou os salmos para transmitir sua doutrina (cf Mt 5,4 e Sl 37,11; Mt 5,8 e Sl 24,3-4; Mt 5,5 e Sl 126,5; etc) e criticar seus adversõrios (cf Mt 21,42 e Sl 118,22-23; etc). Rezou os salmos na última Ceia (cf Mt 26,30), no Horto (cf Mt 26,38 e Sl 42,6), na cruz (cf Mt 15,34 e Sl 22,2) e na hora de morrer (cf Lc 23,46 e Sl 31,6).
9. O Porto
O porto é onde o viajante alcança o objetivo da viagem. O porto do rio dos salmos, onde o povo e os romeiros querem atracar, é a realização da Aliança; é a observância perfeita da Lei de Deus. Este ideal está presente nos salmos. Neles transparecem os projetos do povo, meditados diante de Deus na oração. Projeto de abundância (Sl 72,16), de libertação dos opressores (Sl 72,12-13), de justiça (Sl 58,2-12), de fraternidade (Sl 133), de paz (Sl 120,7).
10. O Mar
O Mar é onde o rio desemboca, despejando nele suas águas, sem parar, séculos a fio, sem que o mar transborde. O mar onde desemboca o rio dos salmos é Deus. Ele mesmo! O rio corre para o mar e nele se perde, desaparece. Nos salmos transparecem os traços do rosto de Deus. Eles deixam entrever a experiência que o povo teve de Deus, e o que Deus significava para o povo. Revelam o amor do povo para com Deus. Imagens e comparações são o melhor meio para comunicar uma experiência. Elas são o recurso do salmista para comunicar sua experiência de Deus e da vida. São muitas! Inúmeras: “Força, Salvador, Rocha, Fortaleza, Abrigo, Rochedo, Escudo, Torre, Refúgio!”. Tudo isto em apenas dois versículos! (Sl 18,2-3).
Estas são como que dez janelas que abrimos sobre o livro dos Salmos. São dez pistas para penetrar até à sua raiz e recriá-los na nossa vida. Para orientar este estudo dos salmos convém lembrar aqui o conselho muito atual de Cassiano do começo do século V: “Instruídos por aquilo que nós mesmos sentimos, já não percebemos o salmo como algo que só ouvimos, mas sim como algo que experimentamos e tocamos com nossas mãos; não como uma história estranha e inaudita, mas como algo que damos à luz desde o mais profundo do nosso coração, como se fossem sentimentos que formam parte do nosso próprio ser. Repitamo-lo: não é a leitura que nos faz penetrar no sentido das palavras, mas sim a própria experiência nossa adquirida anteriormente na vida de cada dia”


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