Evangelhos
apócrifos marianos
Os católicos os chamam de “livros
apócrifos”, enquanto os protestantes os consideram como “pseudoepígrafos".
Trata-se de textos judaicos e cristãos, a grande parte escrita entre o século
II antes de Cristo e o século VI da nossa era. Porém, manuscritos posteriores
acrescentaram narrações e comentários sobre os textos originais. Assim, é difícil
avaliar com certeza a época de redação das versões atuais que chegaram até nós.
Seus autores verdadeiros não se
deram a revelar. Para conferir autoridade aos textos, davam-lhes o nome de um
personagem reconhecido. Assim, há escritos judaicos apócrifos como Apocalipse
de Moisés, Ascensão de Isaías, o I Livro de Adão e Eva (!) que não foram
elaborados pelos personagens em questão e não foram incorporados na lista
(cânon) da Escritura Sagrada do judaísmo.
Existem por volta de 60 apócrifos
cristãos, enumerados entre evangelhos, atos, epístolas e apocalipses. Cada um
deles nasceu num contexto histórico, geográfico e cultural, em comunidades
cristãs que tinham uma determinada visão sobre Jesus. Interessa-nos aqui um
grupo particular de escritos apócrifos que foram classificados como
“evangelhos” (embora não mereçam este nome), por utilizar o mesmo recurso
narrativo de Mateus, Marcos, Lucas e João. Durante o período em que as
comunidades cristãs definiam os livros que fariam parte da Bíblia, eles
circulavam nas comunidades e tinham a pretensão de serem inspirados pelo
Espírito Santo. Os relatos apócrifos mesclavam narrativas próprias com
fragmentos de Lucas e Mateus, dando assim a impressão de que eram somente
acréscimos. Mas a teologia era bem outra!
Os “evangelhos apócrifos” não são
relatos ingênuos e piedosos, que visam somente saciar a curiosidade sobre
detalhes da vida de Jesus e de Maria. Na realidade, são como fragmentos de
“ensinos doutrinais” em forma de narração, que apresentam a visão de determinados
grupos no cristianismo das origens, visando disseminá-los. Muitos destes
grupos, devido à dificuldade em articular de forma correta a humanidade e a
divindade de Jesus, foram rejeitados pela Igreja. Seus escritos não foram
aceitos como inspirados. Os gnósticos, por exemplo, negavam a salvação efetiva
trazida por Cristo, por considerar que o mal reside na ignorância, na falta de
conhecimento. Para os gnósticos, Cristo é o ser perfeito que veio libertar o
ser humano da sua condição inferior e levá-lo de volta a plenitude. Quem
conhece Cristo se torna outro Cristo e não apenas um simples cristão. Por isso,
nos apócrifos marianos de influência gnóstica se acentua a divinização precoce
da mãe do Senhor, colocando na sombra sua caminhada humana. Outro limite do movimento
gnóstico consistia na visão extremamente negativa do corpo.
Vejamos os principais apócrifos que
contem referências a Maria.
1. Evangelho do Pseudo-Mateus:
datado do século IV, conta o nascimento de Maria e a infância de Jesus, com
elementos gnósticos. Narra fatos exagerados e mágicos, sem qualquer fundo
histórico. Por exemplo: Maria, vai para o templo aos 3 anos de idade, e lá se
destaca desde esse momento como uma “super-mulher”, desempenhando-se em tudo
melhor que as outras. O menino Jesus, por sua vez, não aceita nenhum professor
para José lhe recomenda, pois afirma orgulhosamente que ele mesmo é o mestre.
2. Evangelho da Natividade de
Maria: do século III, narra como foi importante o papel de Maria na história de
Jesus. Sob forte influência gnóstica, está repleto de elementos mágicos, como o
nascimento de Jesus sem parto real. Conforme alguns pesquisadores, seria o
apócrifo mariano mais antigo e estaria na base do Proto-evangelho de Tiago.
3. Proto-Evangelho de Tiago:
originado provavelmente no século III, é atribuído a Tiago, o Irmão do Senhor.
Apresenta o nascimento de Maria como um fato extraordinário. Ela é filha de um
casal estéril: Joaquim e Ana. Descreve-se a consagração de Maria no templo, o
casamento com o ancião José (viúvo com seis filhos), a virgindade no parto e
outros fatos também narrados por Mateus. Este texto apócrifo influenciou a
devoção popular (festa dos pais de Maria no dia 26 de julho) e a iconografia
cristã (José como um senhor idoso de barbas brancas).
4. História de José, o carpinteiro:
remonta ao século IV ou V, do Egito. Os manuscritos que restaram são
posteriores. Narra-se a história de José, contada por Jesus aos Apóstolos no
Monte das Oliveiras. E, naturalmente, Maria aparece em vários relatos: a vida
no Templo, o casamento com José, o natal em Belém, a fuga para o Egito, sua
aflição diante da morte de José.
5. Evangelho armênio da Infância:
reflete sobre a relação de Maria com o menino Jesus, e afirma que ela concebeu
do Espírito Santo pela orelha! Maria é colocada como a nova Eva e mãe da
humanidade. Originalmente, escrito no século VI.
6. Trânsito de Maria do
Pseudo-Militão de Sardes: narra a morte, a ressurreição e assunção de Maria.
Possivelmente originário do século IV, embora os melhores manuscritos datem do
século VIII.
7. Livro de São João evangelista, o
teólogo, sobre a passagem da santa mãe de Deus: do século IV este texto conta
os detalhes da morte de Maria e sua assunção num domingo.
8. Livro de São João, arcebispo de
Tessalônica: organizado em forma de homilia, o texto discorre sobre a festa da
Assunção de Maria, porém sem os exageros típicos dos apócrifos. Datado
provavelmente no século IV, teve grande influência na devoção mariana
posterior.
Circula atualmente um apócrifo
contemporâneo, intitulado “O evangelho secreto da Virgem Maria”. O núcleo da
obra é atribuído a uma cristã espanhola do século IV, chamada Etéria.
Provavelmente de origem medieval, o texto foi adaptado e completamente
reelaborado pelo escritor espanhol Santiago Martín. É um relato romanceado,
repleto de narrações tipicamente contemporâneas. Pode ser uma boa obra
literária, mas não se presta para subsidiar a mariologia.
Por que os apócrifos constituem
somente recurso suplementar para a mariologia? Por falta de consistência
histórica e de coerência teológica.
As pesquisas arqueológicas e
documentais atestam que grande parte das narrações apócrifas não tem fundamento
histórico. Foram simplesmente inventadas, visando transmitir uma mensagem. É
inconcebível a euforia dos pais de Maria por ocasião do nascimento da menina,
narrada pelo apócrifo “Protoevangelho de Tiago”, pois na cultura judaica se esperava
sempre o primogênito homem. Quando vinha à luz uma menina, era motivo de
tristeza para a família! Da mesma forma, não se pode afirmar que Maria viveu no
templo de Jerusalém como virgem consagrada, desde os oito até os doze anos de
idade, como sustentam vários apócrifos, pois não havia este costume no tempo de
Jesus.
Mais grave é a questão teológica.
Vários apócrifos sustentam uma visão equivocada de Jesus, negando claramente
sua dimensão humana e o realismo da encarnação. E tal percepção se estende a
Maria. A narração do parto virginal de Jesus, no “Evangelho da infância de
Maria”, está carregado de elementos mitológicos, negando que o Filho de Deus
“se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1,14)! Há inúmeras cenas
mirabolantes, que não condizem com o perfil de Cristo nos evangelhos, como
aquela no qual o menino Jesus provoca a morte de uma criança que lhe desafia,
ou sopra sobre um pássaro de barro e este começa a voar.
No entanto, os apócrifos marianos
exercem enorme fascínio! Em primeiro lugar, devido à forma narrativa, breve e
de agradável leitura. Além disso, vai ao encontro de uma espiritualidade
devocional maximalista, que exalta Maria ilimitadamente. Quem procura uma
“super-Maria”, cheia de poderes humanos e divinos, encontrará nas narrações apócrifas
argumentos para reforçar sua visão. Ademais, os apócrifos reforçam a tendência
de buscar na religião aquilo que é espetacular, milagroso, extraordinário. Por
fim, parece responder a uma necessidade das pessoas de buscar mais informações
sobre a vida de Maria, que os evangelhos não fornecem.
A esse respeito, o Ir. Aleixo
Autran, grande mariólogo brasileiro falecido na década de 80, costumava dizer
que se Deus não nos deu mais informações sobre a vida de Maria na Bíblia, é
porque “não era necessário para nossa salvação, nem para a sã devoção”. Por
isso, não convém buscar em outros textos, de origem duvidosa, conhecimentos
sobre aquilo que Deus mesmo achou por bem não manifestar.
Afonso Murad.
Ver a descrição dos apócrifos
marianos em: Jacir de Freitas Faria, História de Maria, mãe e apóstola de seu
Filho, nos Evangelhos apócrifos. Vozes, p. 14-28.
Komentarze
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Nieustanne potrzeby??? Nieustająca Pomoc!!!
Witamy u Mamy!!!