O quê o
Magnificat pode nos revelar sobre Maria?
A Tradição
da Igreja e muitos escritos apócrifos e registros variados da Igreja Primitiva
indicam que Maria Santíssima possuía laços familiares com a tribo de Levi, ou
seja, a tribo escolhida e reservada por Deus para o seu serviço. Nos anos que
antecederam o nascimento de Jesus e mesmo depois, praticamente as únicas
meninas que podiam ter algum tipo de acesso à cultura eram aquelas que
pertenciam ao tronco sacerdotal proveniente de Levi, recebendo educação formal
ou aquelas que recebiam essa formação em suas casas.
Na Igreja
Primitiva surgiram muitos escritos que foram aceitos por seu valor histórico e
por seu intuito de preservar a memória relativa a fatos e pessoas ligadas
diretamente a Jesus. Foi assim, que muitos escritos ditos "apócrifos"
surgiram, mas quando a Igreja, devido ao surgimento de tantos escritos que
poderiam causar confusão nas primeiras comunidades, em 393, através do Sínodo
de Hipona (uma reunião regional de bispos) e depois através do Concílio
Ecumênico de Calcedônia determinou o número exato dos livros que deveriam
compor o cânon bíblico, ou seja, a lista dos livros considerados como
inspirados por Deus. Sendo assim, a Igreja não desabonava o valor histórico dos
livros apócrifos, mas não os considerava divinamente inspirados, isto é, embora
tratassem de temas teológicos, seu conteúdo era afetado por interesses,
preferências e modos humanos de narrar e preservar os fatos. Numa dessas obras,
tardiamente intitulada como o "Evangelho Secreto da Virgem Maria"
(obra traduzida para o português e publicada no Brasil), obra escrita após o
século IV, embora muitos afirmem ser uma obra contemporânea aos acontecimentos
narrados, seu estilo de redação é próprio dos séculos IV ou V, assim como outras
congêneres, narram que São Joaquim e Santa Ana eram estéreis e rogavam à Deus a
graça de ter um filho, já que além do desejo natural de gerar uma vida havia
ainda o aspecto social reforçado pela visão do judaísmo da época que
considerava a esterilidade um sinal de maldição divina. Após muitas orações,
Joaquim, enquanto apascentava ovelhas, tal como Moisés fazia enquanto Deus o
surpreendeu chamando-lhe do meio da sarça, também cuidava de seu rebanho quando
um anjo lhe apareceu garantindo- lhe que com sua esposa geraria uma nova vida,
a qual desempenharia um grande papel nos desígnios divinos.
Sem
entender o que a profecia do anjo queria dizer, Joaquim e Ana a viram se
cumprir pouco tempo depois. Entusiasmada com a graça recebida, Santa Ana
prometeu que ofereceria sua filha ou filho ao serviço do Templo de Jerusalém.
Assim que deu a luz, viu que gerara uma menina a quem deu o nome de Maria.
Pensando em como cumprir sua promessa aconselhou-se com um douto e justo
sacerdote chamado Simeão que sugeriu-lhe o seguinte: quando a menina
completasse cinco anos de idade os pais deveriam levá-la à Jerusalém e lhe
explicar que se quisesse ficar poderia estudar na escola para meninas própria
do Templo. Caso a menina fosse colocada diante da escadaria do Templo e se
voltasse para seus pais com medo de ser deixada, então os pais deveriam ver
nisso um sinal divino de que estavam dispensados da promessa de entregar a
menina aos cuidados do Templo, mas se a deixassem e ela subisse a escadaria sem
se voltar para seus pais, então seria a confirmação de que Deus a havia
inspirado a ficar e os pais deveriam permitir. Assim fizeram, de modo que aos
cinco anos levaram Maria Santíssima ao Templo e a pequena criança subiu
apressadamente as escadas em direção ao sacerdote sem olhar para trás. Daí em
diante a menina seria educada até perto dos quinze anos, quando deveria voltar
a seus pais para se preparar para a vida matrimonial, como faziam todas as
moças de sua idade.
Na escola
do Templo o sacerdote Simeão e uma viúva chamada Ana que era considerada
profetisa estavam encarregados diretamente da educação das meninas. Maria
Santíssima lá permaneceu até seus quinze anos. Não se sabe ao certo, mas é
provável que pouco tempo depois de ter retornado à casa de seus pais, em
Nazaré, que sucederam os eventos que todos conhecemos a respeito da salvação do
gênero humano a partir da anunciação e miraculosa concepção do Verbo Eterno,
Jesus Cristo (Lc. 1, 26 ss). Naquela época a população de Nazaré era de menos
de três mil habitantes, ou seja, todos conheciam a todos. Foi nesse contexto,
que estando prometida em casamento à José, a jovem Maria recebeu a visita do
arcanjo Gabriel que lhe indicou ser desejo do Altíssimo que ela aceitasse ser a
Mãe do Salvador (Lc. 1, 26-38). Maria aceitou e o anjo comunicou-lhe que sua
prima Isabel, estéril como fora sua própria mãe Ana também estava grávida e
concebeu um filho na velhice. Prontamente Maria saiu para lhe visitar.
Ao chegar,
uma série de eventos que seriam banais para qualquer acontecimento parecido
tomam uma proporção totalmente diferente. Maria saúda Isabel e como costuma
ocorrer numa saudação o comum é que esta seja retribuída, mas Isabel afirma que
"assim que tua saudação chegou aos meus ouvidos a criança saltou em meu
ventre" (Lc. 1,44). O precursor do Messias foi santificado no ventre
materno por Aquele para quem deveria preparar o caminho. E Isabel antes disso
ainda afirmou: "De onde me vem que a Mãe do meu Senhor me venha
visitar?" (Lc. 1,23). Cheia de júbilo, Maria Santíssima entoou um hino de
louvor a Deus: o Magnificat ( Lc. 1, 46-56).
Ao longo
dos séculos a tradição da Igreja apropriou- se do Canto de Maria e o incluiu na
oração das Vésperas, na Liturgia das Horas. Além disso, os Santos Padres, os
doutores e os santos todos reverberaram esse cântico de louvor de modos
diferentes e de acordo com as várias escolas de espiritualidade e de carismas
que foram surgindo na vida eclesial. Não obstante, muitas vezes o que pode
passar despercebido é a coincidência de informações entre o que narram os
evangelhos apócrifos e o evangelho canônico de São Lucas. Os apócrifos, como
vimos acima, afirmam que Maria estudou na escola do Templo de Jerusalém,
enquanto São Lucas narra que Maria entoou o Magnificat, canto que a Santíssima
Virgem tomou da tradição judaica, pois a mãe do profeta Samuel, chamada Ana,
curiosamente o mesmo nome que a tradição atribui à mãe da Virgem Santíssima,
entoou um canto parecido, inspirado naquele cântico (ISm. 2, 1-10). A diferença
fundamental do Cântico de Maria para o Cântico de Ana é que a Santíssima Virgem
o parafraseia e traz para si, inclui nele sua vida e sua história, usa o texto
bíblico não como letra morta ou como algo a ser contemplado, muito mais que
isto, ela o envolve, se apropria dele e torna a Palavra de Deus viva em sua vida,
incluindo no canto de Ana seu louvor pessoal e a profecia de que "de agora
em diante, todas as gerações me chamarão de bem-aventurada" (Lc. 1,26).
Tamanho conhecimento bíblico a ponto de citar de improviso um texto tão extenso
quanto o Cântico de Ana e a capacidade de desenvolver seu próprio louvor a
partir desta base escriturística denota profundo conhecimento bíblico por parte
de Maria Santíssima, fato este que corrobora a tese de que realmente ela tenha
estudado e servido no Templo tal como os apócrifos e a Tradição assinalam.
Em outros
textos dos evangelhos vemos que Jesus tinha um amplo e familiar domínio das
Sagradas Escrituras. É óbvio que sendo Deus, Jesus sabe de todas as coisas e
conhece cada acento e cada vírgula colocados na sua Palavra, mas enquanto
homem, sabemos que Jesus assumiu por completo a condição humana, submetendo-se
tal como qualquer outro homem às necessidades da natureza humana, isto é, mesmo
sendo Deus teve de chorar quando bebê para solicitar ajuda materna, sentiu
fome, sede, frio, teve de aprender a andar, falar... E também teve de aprender
a ler, a escrever, a conhecer e observar os preceitos judaicos. Assim, podemos
deduzir facilmente que sua cultura em grande parte lhe foi transmitida por sua
Mãe, antiga aluna do Templo e fiel conhecedora das Escrituras e das Tradições
judaicas. No capítulo 4, do evangelho de São Lucas vemos Jesus que entra na
sinagoga em dia de sábado, toma o livro do profeta Isaías o lê e o explica (Lc.
4, 18 ss). Na cultura judaica só poderia fazer isso aquele que fosse exímio
conhecedor das Escrituras. Outro dado importante sobre o conhecimento humano de
Jesus está no texto que relata o caso da pecadora que seria apedrejada, onde
Jesus abaixa-se e põe-se a escrever na areia (Jo. 8, 1-11). Nestas duas passagens
somadas à passagem em que vemos o Menino Jesus aos doze anos discutindo com os
doutores da lei (Lc. 2, 45ss), constatamos que ele aprendeu a ler e escrever
muito cedo e que adquiriu uma boa cultura, mesmo sem ter frequentado uma escola
formal, como constatamos em vários textos bíblicos que narram o espanto
daqueles que o conheciam e não sabiam como ele poderia saber tanto das coisas
(Mc. 6,3) sendo o humilde filho de um carpinteiro. Sendo assim, de onde lhe
vinha seu conhecimento? Humanamente falando não é absurdo supor a veracidade do
fato de que Maria Santíssima estudou no Templo, adquiriu ampla cultura e a
transmitiu a seu Filho.
São José, o
pai adotivo de Jesus era carpinteiro, profissão que na época era bem diferente
do que hoje conhecemos e entendemos ser um carpinteiro. No tempo de Jesus, o
carpinteiro não lidava apenas com a madeira, mas era uma espécie de
"faz-tudo", que construía casas, fazia os móveis, consertava
carroças, reparava instrumentos de trabalho variados etc. Por ser um trabalho braçal
e muito exigente também não é absurdo supor que a maioria dos carpinteiros
sequer conseguiam aprender a ler e a escrever, dada a exigência de seu labor.
José ensinou a Jesus sua profissão (Mt. 13, 55) e no que toca à cultura de
Jesus, esta certamente lhe veio de sua Mãe.
Portanto,
esta pequena, porém importantíssima evidência presente no canto do Magnificat
nos traz uma imagem muito diferente daquela que muitos artistas tiveram em suas
obras e que muitos escritores e teólogos por vezes exaltaram de uma jovem
simples, pobre, ingênua que quase nada sabia da vida e do mundo quando se
referem à Virgem Maria. A reta visão acerca da Santíssima Virgem é a da mulher
forte, decidida, inteligente, prudente, mas sábia, tão sábia a ponto de
questionar o arcanjo Gabriel sobre como se daria o que ele lhe anunciava. Com
razão a tradição eclesiástica, entre os muitos títulos que aplica a Nossa
Senhora, emprega a invocação de "Sede da Sabedoria". Que Nossa
Senhora sempre nos inspire a imitá-la na busca do conhecimento das coisas de
Deus, para que possamos realmente fazer "tudo o que Ele nos
disser"(Jo. 2,5) como Ela mesma vaticinou.
Luiz
Raphael Tonon é leigo consagrado da Comunidade Católica Pantokrator, professor
de História, Filosofia e Ensino Religioso e membro da Academia Marial de
Aparecida.
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Nieustanne potrzeby??? Nieustająca Pomoc!!!
Witamy u Mamy!!!