A vós,
mulheres do mundo inteiro,
a minha mais cordial saudação!
a minha mais cordial saudação!
1. A cada
uma de vós dirijo esta Carta, sob o signo da solidariedade e da gratidão, ao
aproximar-se a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, que terá lugar em Pequim
no próximo mês de Setembro.
Antes de
mais, desejo exprimir o meu vivo apreço à Organização das Nações Unidas,
que promoveu uma iniciativa de tamanha importância. Também a Igreja se propõe
oferecer a sua contribuição para a defesa da dignidade, do papel e dos direitos
das mulheres, não só através da específica colaboração da Delegação oficial da
Santa Sé nos trabalhos de Pequim, como também falando diretamente ao coração e
à mente de todas as mulheres. Recentemente, por ocasião da visita que a Senhora
Gertrudes Mongella, Secretária Geral da Conferência, me fez tendo em vista
precisamente tão significativo encontro, quis entregar-lhe uma Mensagem, na
qual estão recolhidos alguns pontos fundamentais do ensinamento da Igreja a
este respeito. É uma mensagem que, para além da específica circunstância que a
inspirou, se abre para a perspectiva mais ampla da realidade e dos problemas
das mulheres no seu conjunto, pondo-se ao serviço da sua causa na
Igreja e no mundo contemporâneo. Por isso, dei instruções para que fosse
transmitida a todas as Conferências Episcopais, para garantir a sua máxima
difusão.
Retomando
quanto escrevi em tal documento, gostaria agora de me dirigir diretamente a
cada mulher, para refletir com ela sobre os problemas e perspectivas da
condição feminina no nosso tempo, detendo-me em particular sobre o tema
essencial da dignidade e dos direitos das mulheres, considerados
à luz da Palavra de Deus.
O ponto
de partida deste diálogo ideal não pode ser senão um obrigado. A Igreja
— escrevia na Carta apostólica Mulieris dignitatem — « deseja render graças à
Santíssima Trindade pelo "mistério da mulher" — por toda a mulher
— e por aquilo que constitui a eterna medida da sua dignidade feminina, pelas
"grandes obras de Deus" que, na história das gerações humanas, nela e
por seu meio se realizaram » (n. 31).
2. O obrigado
ao Senhor pelo seu desígnio sobre a vocação e a missão da mulher no mundo,
torna-se também um concreto e direto obrigado às mulheres, a cada mulher, por
aquilo que ela representa na vida da humanidade.
Obrigado
a ti, mulher-mãe, que te fazes ventre do ser humano na alegria e no
sofrimento de uma experiência única, que te torna o sorriso de Deus pela
criatura que é dada à luz, que te faz guia dos seus primeiros passos, amparo do
seu crescimento, ponto de referência por todo o caminho da vida.
Obrigado
a ti, mulher-esposa, que unes irrevogavelmente o teu destino ao de um
homem, numa relação de recíproco dom, ao serviço da comunhão e da vida.
Obrigado
a ti, mulher-filha e mulher-irmã, que levas ao núcleo familiar, e
depois à inteira vida social, as riquezas da tua sensibilidade, da tua
intuição, da tua generosidade e da tua constância.
Obrigado
a ti, mulher-trabalhadora, empenhada em todos os âmbitos da vida social,
económica, cultural, artística, política, pela contribuição indispensável que
dás à elaboração de uma cultura capaz de conjugar razão e sentimento, a uma
concepção da vida sempre aberta ao sentido do « mistério », à edificação de
estruturas económicas e políticas mais ricas de humanidade.
Obrigado a
ti, mulher-consagrada, que, a exemplo da maior de todas as mulheres, a
Mãe de Cristo, Verbo Encarnado, te abres com docilidade e fidelidade ao amor de
Deus, ajudando a Igreja e a humanidade inteira a viver para com Deus uma
resposta « esponsal », que exprime maravilhosamente a comunhão que Ele quer
estabelecer com a sua criatura.
Obrigado
a ti, mulher, pelo simples facto de seres mulher! Com a percepção
que é própria da tua feminilidade, enriqueces a compreensão do mundo e
contribuis para a verdade plena das relações humanas.
3. Mas
agradecer não basta, já sei. Infelizmente, somos herdeiros de uma história com
imensos condicionalismos que, em todos os tempos e latitudes, tornaram
difícil o caminho da mulher, ignorada na sua dignidade, deturpada nas suas
prerrogativas, não raro marginalizada e, até mesmo, reduzida à escravidão. Isto
impediu-a de ser profundamente ela mesma, e empobreceu a humanidade inteira de
autênticas riquezas espirituais. Não seria certamente fácil atribuir precisas
responsabilidades, atendendo à força das sedimentações culturais que, ao longo
dos séculos, plasmaram mentalidades e instituições. Mas, se nisto tiveram
responsabilidades objetivas, mesmo não poucos filhos da Igreja, especialmente
em determinados contextos históricos, lamento-o sinceramente. Que este pesar se
traduza, para toda a Igreja, num compromisso de renovada fidelidade à
inspiração evangélica que, precisamente no tema da libertação das mulheres de
toda a forma de abuso e de domínio, tem uma mensagem de perene atualidade, que
brota da atitude mesma de Cristo. Ele, superando as normas em vigor na
cultura do seu tempo, teve para com as mulheres uma atitude de abertura, de
respeito, de acolhimento, de ternura. Honrava assim, na mulher, a dignidade que
ela sempre teve no projeto e no amor de Deus. Ao fixar o olhar n'Ele, no final
deste segundo milénio, vem-nos espontaneamente a pergunta: em que medida a sua
mensagem foi recebida e posta em prática?
Sim, é
tempo de olhar, com a coragem da memória e o sincero reconhecimento das
responsabilidades, a longa história da humanidade, para a qual as mulheres
deram uma contribuição não inferior à dos homens, e a maior parte das vezes em
condições muito mais desfavoráveis. Penso, de modo especial, nas mulheres que
amaram a cultura e a arte, e às mesmas se dedicaram partindo de condições
desvantajosas, excluídas frequentemente de uma educação paritária, submetidas à
inferiorização, ao anonimato e até mesmo à expropriação da sua contribuição intelectual.
Infelizmente, da obra imensa das mulheres na história, bem pouco restou de
significativo com os métodos da historiografia científica. Mas, por sorte, se o
tempo sepultou os seus vestígios documentais, não é possível não perceber os
seus influxos benfazejos na seiva vital que impregna o ser das gerações, que se
foram sucedendo até à nossa. Relativamente a esta grande, imensa « tradição »
feminina, a humanidade tem uma dívida incalculável. Quantas mulheres foram e
continuam ainda a ser valorizadas mais pelo aspecto físico que pela
competência, pela profissionalidade, pelas obras da inteligência, pela riqueza
da sua sensibilidade e, em última análise, pela própria dignidade do seu ser!
4. Que
dizer também dos obstáculos que, em tantas partes do mundo, impedem ainda às
mulheres a sua plena inserção na vida social, política e económica? Basta
pensar como, com frequência, é mais penalizado que gratificado o dom da
maternidade, à qual, todavia, a humanidade deve a sua própria sobrevivência.
Certamente, resta ainda muito a fazer para que o ser mulher e mãe não comporte
discriminação. Urge conseguir onde quer que seja a igualdade efetiva dos
direitos da pessoa e, portanto, idêntica retribuição salarial por categoria de
trabalho, tutela da mãe-trabalhadora, justa promoção na carreira, igualdade
entre cônjuges no direito de família, o reconhecimento de tudo quanto está
ligado aos direitos e aos deveres do cidadão num regime democrático.
Trata-se
não só de um ato de justiça, mas também de uma necessidade. Na política do
futuro, os graves problemas em aberto verão sempre mais envolvida a mulher:
tempo livre, qualidade da vida, migrações, serviços sociais, eutanásia, droga,
saúde e assistência, ecologia, etc. Em todos estes campos, se revelará preciosa
uma maior presença social da mulher, porque contribuirá para fazer manifestar
as contradições de uma sociedade organizada sobre critérios de eficiência e
produtividade, e obrigará a reformular os sistemas a bem dos processos de
humanização que delineiam a « civilização do amor ».
5.
Pensando, depois, a um dos aspectos mais delicados da situação feminina no
mundo, como não lembrar a longa e humilhante história — com frequência, «
subterrânea » — de abusos perpetrados contra as mulheres no campo da
sexualidade? No limiar do terceiro milénio, não podemos permanecer impassíveis
e resignados diante deste fenómeno. Está na hora de condenar vigorosamente,
dando vida a apropriados instrumentos legislativos de defesa, as formas de violência
sexual, que não raro têm a mulher por objeto. Mais, em nome do respeito
pela pessoa, não podemos não denunciar a difusa cultura hedonista e
mercantilista que promove a exploração sistemática da sexualidade, levando
mesmo meninas de menor idade a cair no circuito da corrupção e a permitir comercializar
o próprio corpo.
Por outro
lado, diante de tais perversões, quanto louvor merecem as mulheres que, com
amor heróico pela sua criatura, carregam uma gravidez devida à injustiça de
relações sexuais impostas pela força; e isto não só no quadro das atrocidades
que, infelizmente, se verificam nos contextos de guerras, ainda tão frequentes
no mundo, mas também nas situações de bem-estar e de paz, não raro viciadas por
uma cultura de permissivismo hedonista, na qual prosperam facilmente também
tendências de machismo agressivo. Nestas condições, a escolha do aborto, que
permanece sempre um pecado grave, antes de ser uma responsabilidade atribuível
à mulher, é um crime que deve ser imputado ao homem e à cumplicidade do
ambiente circundante.
6. Assim,
o meu « obrigado » às mulheres converte-se num premente apelo a que, da
parte de todos, particularmente dos Estados e das Instituições Internacionais,
se faça o que for preciso para devolver à mulher o pleno respeito da sua
dignidade e do seu papel. A este respeito, não posso deixar de manifestar a
minha admiração pelas mulheres de boa vontade que se dedicaram a defender a
dignidade da condição feminina, através da conquista de direitos fundamentais
sociais, económicos e políticos, e assumiram corajosamente tal iniciativa em
épocas em que este seu empenho era considerado um ato de transgressão, um sinal
de falta de feminilidade, uma manifestação de exibicionismo, e talvez um
pecado!
Como
escrevi na Mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano,
ao contemplar este grande processo de libertação da mulher, pode-se dizer que «
foi um caminho difícil e complexo e, por vezes, não isento de erros, mas
substancialmente positivo, apesar de ainda incompleto devido a tantos
obstáculos que, em diversas partes do mundo, se interpõem não deixando que a
mulher seja reconhecida, respeitada, valorizada na sua peculiar dignidade » (n.
4).
É preciso
continuar neste caminho! Estou convencido, porém, que o segredo para percorrer
diligentemente a estrada do pleno respeito da identidade feminina não passa só
pela denúncia, apesar de necessária, das discriminações e das injustiças, mas
também, e sobretudo, por um eficaz e claro projeto de promoção, que
englobe todos os âmbitos da vida feminina, a partir de uma renovada e
universal tomada de consciência da dignidade da mulher. Ao reconhecimento
desta, não obstante os múltiplos condicionalismos históricos, leva-nos a
própria razão, que capta a lei de Deus inscrita no coração de cada homem. Mas é
sobretudo a Palavra de Deus, que nos permite identificar com clareza o radical fundamento
antropológico da dignidade da mulher, apontando-o no desígnio de Deus sobre
a humanidade.
7.
Permiti-me, pois, caríssimas irmãs, que juntamente convosco, medite uma vez
mais aquela página bíblica maravilhosa que mostra a criação do homem, e na qual
se exprime bem a vossa dignidade e missão no mundo.
O Livro
do Génesis fala da criação, de modo sintético e com linguagem poética e
simbólica, mas profundamente verdadeira: « Deus criou o homem à sua imagem,
criou-o à imagem de Deus; Ele os criou varão e mulher » (Gn 1,
27). O ato criador de Deus desenvolve-se segundo um preciso projeto. Antes de
mais, diz que o homem é criado « à imagem e semelhança de Deus » (cf. Gn 1,
26), expressão que esclarece logo a peculiaridade do homem no conjunto da
obra da criação.
Depois,
diz que ele, desde o início, é criado como « varão e mulher » (Gn 1,
27). A mesma Sagrada Escritura fornece a interpretação deste dado: o homem,
mesmo encontrando-se rodeado pelas inumeráveis criaturas do mundo visível,
dá-se conta de estar só (cf. Gn 2, 20). Deus intervém para
fazê-lo sair desta situação de solidão: « Não é conveniente que o homem
esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele » (Gn 2, 18).
Portanto, na criação da mulher está inscrito, desde o início, o princípio do
auxílio: auxílio — note-se — não unilateral, mas recíproco. A mulher
é o complemento do homem, como o homem é o complemento da mulher: mulher e
homem são entre si complementares. A feminilidade realiza o « humano »
tanto como a masculinidade, mas com uma modulação distinta e complementar.
Quando o
Génesis fala de « auxiliar », não se refere só ao âmbito do agir, mas
também do ser. Feminilidade e masculinidade são entre si complementares,
não só do ponto de vista físico e psíquico, mas também ontológico. Só
mediante a duplicidade do « masculino » e do « feminino », é que o « humano »
se realiza plenamente.
8. Depois
de criar o homem, varão e mulher, Deus diz a ambos: « Enchei e dominai a terra
» (Gn 1, 28). Não lhes confere só o poder de procriar para perpetuar no
tempo o género humano, mas confia-lhes também a terra como tarefa,
comprometendo-os a administrar os seus recursos com responsabilidade. O
homem, ser livre e racional, é chamado a transformar a face da terra. Nesta
tarefa, que é essencialmente a obra da cultura, tanto o homem como a mulher têm,
desde o início, igual responsabilidade. Na sua reciprocidade esponsal e
fecunda, na sua tarefa comum de dominar e submeter a terra, a mulher e o homem
não refletem uma igualdade estática e niveladora, mas tampouco comportam uma
diferença abissal e inexoravelmente conflituosa: a sua relação mais natural,
conforme ao desígnio de Deus, é a « unidade dos dois », ou seja, uma «
unidualidade » relacional, que permite a cada um de sentir a relação
interpessoal e recíproca como um dom enriquecedor e responsabilizador.
A esta «
unidade dos dois », está confiada por Deus não só a obra da procriação e a vida
da família, mas a construção mesma da história. Se durante o Ano
Internacional da Família, celebrado em 1994, a atenção se concentrou sobre
a mulher como mãe, a Conferência de Pequim torna-se ocasião propícia
para uma nova tomada de consciência da múltipla contribuição que a mulher
oferece à vida inteira das sociedades e nações. É uma contribuição,
inicialmente de natureza espiritual e cultural, mas também sócio-política e
económica. Devem realmente muito ao subsídio da mulher, os vários sectores da
sociedade, os Estados, as culturas nacionais, e, em última análise, o progresso
de todo o género humano!
9.
Normalmente, o progresso é avaliado segundo categorias técnicas e científicas;
ora, até sob este ponto de vista, não falta a contribuição da mulher. Mas,
essas não são as únicas dimensões do progresso, antes, não são sequer as
principais. Mais importante ainda é a dimensão ético-social, que diz
respeito às relações humanas e aos valores do espírito: e, nesta dimensão,
frequentemente desenvolvida sem alarde, a partir das relações quotidianas entre
as pessoas, especialmente dentro da família, a sociedade é em larga medida
devedora, precisamente ao « génio da mulher ».
A este
respeito, gostaria de manifestar particular gratidão às mulheres empenhadas nos
mais distintos sectores da atividade educativa, para além da família:
infantários, escolas, universidades, instituições de assistência, paróquias,
associações e movimentos. Onde quer que se revele necessário um trabalho de
formação, pode-se constatar a imensa disponibilidade das mulheres a
dedicarem-se às relações humanas, especialmente em prol dos mais débeis e
indefesos. Nesse trabalho, elas realizam uma forma de maternidade afetiva,
cultural e espiritual, de valor realmente inestimável, pela incidência que
tem no desenvolvimento da pessoa e no futuro da sociedade. E como não lembrar
aqui o testemunho de tantas mulheres católicas e de tantas Congregações
religiosas femininas, que, nos vários continentes, fizeram da educação,
especialmente dos meninos e meninas, o seu principal serviço? Como não pensar
com espírito de gratidão a todas as mulheres que operaram, e continuam a
fazê-lo, no campo da saúde, não só no âmbito das instituições sanitárias bem
organizadas, mas, com frequência, em circunstâncias muito precárias, nos países
mais pobres do mundo, dando um testemunho de disponibilidade que toca não raro
o martírio?
10. Faço
votos pois, caríssimas irmãs, que se reflita com particular atenção sobre o
tema do « génio da mulher », não só para nele reconhecer os traços de um
preciso desígnio de Deus, que há-de ser acolhido e honrado, mas também para lhe
dar mais espaço no conjunto da vida social, bem como da vida eclesial.
Precisamente sobre este tema, de resto já considerado por ocasião do Ano
Mariano, pude deter-me amplamente na mencionada Carta apostólica Mulieris dignitatem, publicada em 1988. Além
disso, este ano, por ocasião da Quinta-Feira Santa, quis unir idealmente a Mulieris dignitatem à habitual Carta que
envio aos sacerdotes convidando-os a refletirem sobre o significativo papel que
na sua vida desempenha a mulher como mãe, como irmã e como colaboradora nas
obras de apostolado. Esta é outra dimensão — distinta da conjugal, mas
importante também — daquele « auxílio » que a mulher, segundo do o Génesis, é
chamada a prestar ao homem.
A Igreja
vê, em Maria, a máxima expressão do « génio feminino » e encontra n'Ela uma fonte incessante de inspiração. Maria definiu-Se «
serva do Senhor » (cf. Lc 1, 38). É por obediência à Palavra de Deus que
Ela acolheu a sua vocação privilegiada, mas nada fácil, de esposa e mãe da
família de Nazaré. Pondo-Se ao serviço de Deus, Ela colocou-Se também ao
serviço dos homens: um serviço de amor. Este mesmo serviço permitiu-Lhe
realizar na sua vida a experiência de um misterioso, mas autêntico « reinar ».
Não é por acaso que é invocada como « Rainha do céu e da terra ». Assim a
invoca toda a comunidade dos crentes; invocam-na como « Rainha » muitas nações
e povos. O seu « reinar » é servir! O seu servir é « reinar »!
Assim
deveria ser entendida a autoridade, tanto na família, como na sociedade e na
Igreja. O « reinar » é revelação da vocação fundamental do ser humano, enquanto
criado à « imagem » d'Aquele que é Senhor do céu e da terra, e chamado a ser em
Cristo seu filho adoptivo. O homem é a única criatura sobre a terra « a ser
querida por Deus por si mesma », como ensina o Concílio Vaticano II, o qual, de
modo significativo, acrescenta que o homem « não se pode encontrar plenamente a
não ser no sincero dom de si mesmo » (Gaudium et spes, 24).
Nisto
consiste o materno « reinar » de Maria. Tendo-Se feito, com todo o seu ser, dom
para o seu Filho, Ela veio a tornar-Se também dom para os filhos e filhas de
todo o género humano, gerando uma profundíssima confiança em quem a Ela
recorre para ser guiado pelos caminhos difíceis da vida até ao próprio destino
definitivo e transcendente. Cada um chega através das etapas da própria vocação
a esta meta final, uma meta que orienta o empenho na história tanto do
homem como da mulher.
11. Neste
horizonte de « serviço » — que, se prestado com liberdade, reciprocidade e
amor, exprime a verdadeira « realeza » do ser humano — é possível acolher
também, sem consequências desfavoráveis para a mulher, uma certa diversidade
de papéis, na medida em que tal diversidade não é fruto de arbitrária
imposição, mas brota da peculiaridade do ser masculino e feminino. É um tema
que tem a sua específica aplicação, mesmo no seio da Igreja. Se Cristo — por
escolha livre e soberana, bem testemunhada no Evangelho e na constante tradição
eclesial — confiou somente aos homens a tarefa de ser « ícone » da sua
imagem de « pastor » e « esposo » da Igreja através do exercício do sacerdócio
ministerial, isto em nada diminui o papel da mulher, como afinal sucede com
os outros membros da Igreja não investidos do sagrado ministério, já que todos
são igualmente dotados da dignidade própria do « sacerdócio comum »,
radicado no Baptismo. Tais distinções de papéis, com efeito, não devem ser
interpretadas à luz dos cânones em uso nas sociedades humanas, mas com os
critérios específicos da economia sacramental, ou seja, daquela economia
de « sinais » livremente escolhidos por Deus para Se fazer presente no meio dos
homens.
De resto,
precisamente na linha desta economia de sinais, mesmo se fora do âmbito
sacramental, não é de pouca importância a « feminilidade » vivida segundo o
sublime modelo de Maria. Há, de facto, na « feminilidade » da mulher crente, e
especialmente da mulher « consagrada », uma espécie de « profecia » imanente
(cf. Mulieris dignitatem, 29), um simbolismo
fortemente evocador, dir-se-ia uma sugestiva « iconicidade », que se realiza
plenamente em Maria e exprime bem o ser mesmo da Igreja, enquanto comunidade
consagrada com a dimensão de absoluto de um coração « virgem », para ser
« esposa » de Cristo e « mãe » dos crentes. Nesta perspectiva de
complementaridade « icónica » dos papéis masculino e feminino, ficam mais em
evidência duas dimensões imprescindíveis da Igreja: o princípio « mariano », e
o princípio « apostólico-petrino » (cf. ibid., 27).
Por outro
lado — lembrei-o aos sacerdotes na mencionada Carta da Quinta-Feira Santa deste
ano —, o sacerdócio ministerial, no desígnio de Cristo, « não é expressão de domínio,
mas de serviço » (n. 7). É tarefa urgente da Igreja, na sua
renovação quotidiana à luz da Palavra de Deus, pô-lo sempre mais em evidência,
quer no desenvolvimento do espírito de comunhão e na promoção atenta de todos os
instrumentos tipicamente eclesiais da participação, quer através do respeito e
valorização dos inúmeros carismas pessoais e comunitários, que o Espírito de
Deus suscita para edificação da comunidade cristã e serviço dos homens.
Neste
amplo espaço de serviço, a história da Igreja nestes dois milénios, apesar de
tantos condicionalismos, conheceu realmente o « génio da mulher », tendo visto
surgir no seu seio mulheres de primária grandeza, que deixaram amplos e
benéficos vestígios de si no tempo. Penso na longa série de mártires, de
santas, de místicas insignes. Penso, de modo especial, em Santa Catarina de
Sena e em Santa Teresa de Ávila, a quem o Papa Paulo VI, de venerável memória,
conferiu o título de Doutora da Igreja. E como não lembrar também tantas mulheres
que, impelidas pela fé, deram vida a iniciativas de extraordinário relevo
social, especialmente ao serviço dos mais pobres? O futuro da Igreja, no
terceiro milénio, não deixará certamente de registar novas e esplêndidas
manifestações do « génio feminino ».
12. Vede,
portanto, caríssimas irmãs, quantos motivos tem a Igreja para desejar que, na
próxima Conferência, promovida em Pequim pelas Nações Unidas, se ponha em
evidência a verdade plena sobre a mulher. Seja colocado realmente em devido
relevo o « génio da mulher », tendo em conta não somente as mulheres
grandes e famosas, do passado ou nossas contemporâneas, mas também as mulheres simples,
que exprimem o seu talento feminino com o serviço aos outros na normalidade
do quotidiano. De facto, é no doar-se aos outros na vida de cada dia, que a
mulher encontra a profunda vocação da própria vida, ela que talvez mais que o
próprio homem vê o homem, porque o vê com o coração. Vê-o
independentemente dos vários sistemas ideológicos e políticos. Vê-o na sua grandeza
e nos seus limites, procurando ir ao seu encontro e ser-lhe de auxílio. Deste
modo, realiza-se na história da humanidade o fundamental desígnio do Criador e
aparece à luz incessantemente, na variedade das vocações, a beleza — não
só física, mas sobretudo espiritual — que Deus prodigalizou desde o início à
criatura humana e especialmente à mulher.
Ao mesmo
tempo que, na minha oração, confio ao Senhor o bom êxito do importante encontro
de Pequim, convido as comunidades eclesiais a fazer do ano em curso
ocasião para uma profunda ação de graças ao Criador e ao Redentor do mundo precisamente
pelo dom de um bem tão grande como é o da feminilidade: esta, nas suas
múltiplas expressões, pertence ao património constitutivo da humanidade e da
mesma Igreja.
Que
Maria, Rainha do amor, vele pelas mulheres e pela sua missão ao serviço da
humanidade, da paz, da difusão do Reino de Deus!
Com a
minha Bênção Apostólica.
Vaticano,
29 de Junho de 1995, solenidade dos Apóstolos S. Pedro e S. Paulo.
JOÃO
PAULO PP. II
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Nieustanne potrzeby??? Nieustająca Pomoc!!!
Witamy u Mamy!!!