A VIRGEM MARIA NA FORMAÇÃO
INTELECTUAL E ESPIRITUAL
Roma, 25
de Março de 1988
Aos Excmos. e Revmos. Ordinários Diocesanos
Aos Reitores dos Seminários Diocesanos
Aos Presbíteros das Faculdades Teológicas
Aos Excmos. e Revmos. Ordinários Diocesanos
Aos Reitores dos Seminários Diocesanos
Aos Presbíteros das Faculdades Teológicas
INTRODUÇÃO
1. A Segunda Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos
Bispos, realizada em 1985 para « a celebração, a verificação e a promoção do
Concílio Vaticano II », [1] afirmou
a necessidade de « dedicar uma atenção especial às quatro Constituições maiores
do Concílio »[2] e
de realizar uma « programação que tenha como objetivo um novo, mais amplo e
mais profundo conhecimento e aceitação do Concílio ». [3]
Por sua vez o Sumo Pontífice João Paulo II afirmou que o Ano
Mariano deve « promover uma nova e aprofundada leitura do que o Concílio disse
sobre a bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, no mistério de Cristo e da
Igreja ».[4]
A Congregação para a Educação Católica é particularmente
sensível a esta dupla indicação magisterial. Com a presente Carta circular
dirigida às faculdades teológicas, aos seminários e aos outros centros de
estudos eclesiásticos pretende apresentar algumas reflexões sobre a
bem-aventurada Virgem e sobretudo sublinhar que o conhecimento, a investigação
e a piedade em relação a Maria de Nazaré não podem circunscrever-se aos limites
cronológicos do Ano Mariano, mas devem constituir uma tarefa permanente:
permanentes, com efeito, são o valor exemplar e a missão da Virgem. Com efeito,
a Mãe do Senhor é um « dado da Revelação divina » e constitui uma « presença
materna » sempre operante na vida da Igreja.[5]
I - A
VIRGEM MARIA: UM DADO ESSENCIAL DA FÉ E DA VIDA DA IGREJA
A
RIQUEZA DA DOUTRINA MARIOLÓGICA
2. A história do dogma e da teologia testemunham a fé e a
atenção incessante da Igreja em relação à Virgem Maria e à sua missão na
história da salvação. Tal atenção manifesta-se já em alguns escritos do novo
testamento e em não poucas páginas dos autores da idade subapostólica. Os
primeiros símbolos da fé e, sucessivamente, as fórmulas dogmáticas dos
Concílios de Constantinopola (a. 381), de Éfeso (a. 431) e de Calcedónia (a.
451) testemunham o progressivo aprofundamento do mistério de Cristo, verdadeiro
Deus e verdadeiro homem, e paralelamente a progressiva descoberta do papel de
Maria no mistério da Encarnação; uma descoberta que conduziu à definição
dogmática da maternidade divina e virginal de Maria.
A atenção da Igreja em relação a Maria de Nazaré continuou em
todos os séculos, com muitas declarações. Recordamos apenas as mais recentes,
sem com isto querer minimizar o florescimento que a reflexão mariológica
conheceu noutras épocas históricas.
3. Pelo seu valor doutrinal não podemos deixar de recordar a
Bula dogmática Ineffabilis Deus (8 de Dezembro de 1854) de Pio
IX, a Constituição Munificentissimus Deus (1 de Novembro de 1950) de Pio
XII e a Constituição dogmática Lumen gentium (21 de Novembro de 1964), cujo
capítulo VIII constitui a síntese mais ampla e autorizada da doutrina católica
sobre a Mãe do Senhor até agora realizada por um concílio ecuménico. São também
de recordar, pelo seu significado teológico e pastoral, outros documentos como
a Professio fidei (30 de Junho de 1968) e as Exortações
apostólicas Signum magnum (13 de Maio de 1967) e Marialis cultus (2 de Fevereiro de 1974) de
Paulo VI, e bem assim a Encíclica Redemptoris Mater (25 de Março de 1987) de João
Paulo II.
4. É, além disso, justo recordar a ação desenvolvida por
alguns « movimentos » que, tendo suscitado em vários modos e sob pontos de
vista diversos um grande interesse pela bem-aventurada Virgem, tiveram uma
influência considerável na confecção da Constituição Lumen Gentium: o movimento bíblico, que sublinhou
a importância primária da Sagrada Escritura para uma apresentação do papel da
Mãe do Senhor, conforme à Palavra revelada; o movimento patrístico, que
colocando a mariologia em contato com o pensamento dos Padres da Igreja, lhe
permitiu aprofundar as suas raízes na Tradição; o movimento eclesiológico, que
contribuiu largamente para a reconsideração e aprofundamento da relação entre
Maria e a Igreja; o movimento missionário, que descobriu progressivamente a
importância de Maria de Nazaré, a primeira evangelizada (cf. Lc. 1,
26-38) e a primeira evangelizadora (cf. Lc. 1, 39-45), como fonte
de inspiração para o seu empenhamento na difusão da Boa Nova; o movimento
litúrgico, que instituindo um fecundo e rigoroso confronto entre as várias
liturgias, pode documentar como os ritos da Igreja atestem uma veneração
cordial em relação à « gloriosa e sempre Virgem Maria, Mãe do nosso Deus e
Senhor Jesus Cristo »; [6] o
movimento ecuménico, que pediu um esforço para compreender com exatidão a
figura da Virgem no âmbito das fontes da Revelação e para determinar o
fundamento teológico da piedade mariana.
O ENSINO MARIOLÓGICO DO VATICANO II
5. A importância do capítulo VIII da Lumen Gentium consiste no valor da sua
síntese doutrinal e na impostação do tratado da doutrina referente à
bem-aventurada Virgem, enquadrada no âmbito do mistério de Cristo e da Igreja.
Desde modo o Concílio:
— vinculou-se à tradição patrística, que privilegia a
história de salvação como contexto próprio de todos os tratados teológicos;
— pôs em evidência que a Mãe do Senhor não é figura marginal
no âmbito da fé e no panorama da teologia pois ela, mediante a sua íntima
participação na história da salvação, « reúne em si em certa maneira e reflete
os dados máximos da fé »; [7]
— compendiou numa visão unitária diferentes posições sobre o
modo de tratar o tema mariológico.
a) Na perspectiva de Cristo:
6. Segundo a doutrina do Concílio a própria relação de Maria
com Deus Pai é determinada na perspectiva de Cristo. Com efeito Deus, « quando
veio a plenitude dos tempos, mandou o seu Filho nascido duma mulher ... para
que recebêssemos a adopção de filhos » (Gal. 4, 4-5) [8]Maria,
portanto, que por condição era a « Serva do Senhor » (cf. Lc. 1,
38.48), tendo acolhido « no coração e no corpo o Verbo de Deus » e levado « a
Vida ao mundo », torna-se por graça « Mãe de Deus ».[9] Em
vista desta singular missão, Deus Pai preservou-a do pecado original, encheu-a
da abundância dos dons celestes e, nos seus sapientes desígnios, « quis ... que
a aceitação da mãe predestinada precedesse a Encarnação ».[10]
7. O Concílio, ilustrando a participação da Virgem na
história da salvação, expôs sobretudo as relações múltiplas que existem entre
Maria e Cristo:
— como « fruto mais excelente da
redenção, [11] tendo
sido « redimida dum modo tão sublime em vista dos méritos de seu Filho »; [12] por
isso os Padres da Igreja, a Liturgia e o Magistério não hesitaram em chamar a
Virgem « filha do seu Filho » [13] na
ordem da graça;
— de mãe que, acolhendo com fé o anúncio do
Anjo, concebeu no seu seio virginal, pela ação do Espírito e sem intervenção de
homem, o Filho de Deus segundo a natureza humana; deu à luz, alimentou-o,
guardou-o e educou-o; [14]
— de serva fiel, que « se consagrou
totalmente a si mesma ... à pessoa e à obra do seu Filho, subordinada a Ele e
com Ele »; [15]
— de associada ao Redentor: « com o conceber
Cristo, gerá-Lo, nutri-Lo, apresentá-Lo ao Pai no templo, sofrer com o seu
Filho morrendo na cruz, ela colaborou dum modo muito especial na obra do
Salvador, com a obediência, a fé, a esperança e a caridade ardente »; [16]
— de discípula que, durante a pregação de
Cristo, « recolheu as palavras, com as quais o Filho, exaltando o Reino acima
das relações e dos vínculos da carne e do sangue, proclamou bem-aventurados os
que ouvem e guardam a palavra de Deus (cf. Mc. 3, 35; Lc.
11, 27-28), como ela fielmente fazia (cf. Lc. 2, 19 e 51) ».[17]
8. Na perspectiva cristológica se devem ler também as
relações entre o Espírito Santo e Maria; ela « como plasmada e constituída nova
criatura » [18] pelo
Espírito e tornada dum modo particular seu templo,[19] pela
potência do mesmo Espírito (cf. Lc. 1,35), concebeu no seu seio virginal e deu
ao mundo Jesus Cristo.[20] No
episódio da Visitação, derramam-se, por meio dela, os dons do Messias Salvador:
a efusão do Espírito sobre Isabel, a alegria do futuro Precursor (cf. Lc.
1, 41).
Cheia de fé na Promessa do Filho (cf. Lc. 24,
49), a Virgem constitui uma presença orante no meio da comunidade dos
discípulos: perseverando com eles na concórdia e na súplica (cf. At. 1,
14), implora « com as suas orações o dom do Espírito, que sobre ela tinha já
descido na anunciação ».[21]
b) Na perspectiva da Igreja
Em vista de Cristo, e portanto também na perspectiva da
Igreja, desde toda a eternidade Deus quis e predestinou a Virgem. Maria de
Nazaré com efeito:
— é « reconhecida como membro supereminente
e singularíssimo da Igreja », [22] por
causa dos dons da graça de que é adornada e pelo lugar que ocupa no Corpo
Místico;
— é mãe da Igreja, pois que ela é «
Mãe d'Aquele, que, desde o primeiro instante da encarnação no seu seio
virginal, uniu a si como Cabeça o seu Corpo Místico que é a Igreja »;[23]
— pela sua condição de virgem esposa mãe é figura da
Igreja, a qual é também virgem pela integridade da fé, esposa pela sua união
com Cristo, mãe pela geração de inumeráveis filhos;[24]
— pelas suas virtudes é modelo da
Igreja, que nela se inspira no exercício da fé, da esperança, da caridade [25] e
na actividade apostólica; [26]
— com a sua multíplice intercessão continua a obter
para a Igreja os dons da salvação eterna. Na sua caridade materna cuida dos
irmãos do seu Filho ainda peregrinos. Por isso a Virgem é invocada na Igreja
com os títulos de advogada, auxiliadora, socorro, medianeira;[27]
— assunta ao céu em corpo e alma, é a « imagem »
escatológica e a « primícia » da Igreja,[28] que
nela « contempla com alegria ... o que ela, toda deseja e espera ser » [29] e
nela encontra um « sinal de segura esperança e de consolação ».[30]
DESENVOLVIMENTO MARIOLÓGICO DO POST-CONCÍLIO
10. Nos anos imediatamente a seguir ao Concílio o trabalho
realizado pela Sé Apostólica, por muitas Conferências Episcopais e por insignes
estudiosos, ilustrando o ensino do Concílio e respondendo aos problemas que
pouco a pouco iam aparecendo, deu nova atualidade e vigor à reflexão sobre a
Mãe do Senhor.
Um contributo particular para este despertar mariológico foi
dado pela Exortação apostólica «Marialis cultus» e pela Encíclica « Redemptoris Mater ».
Não é aqui o lugar para apresentar uma resenha
particularizada dos vários sectores da reflexão post-conciliar sobre Maria.
Parece útil todavia ilustrar alguns a título de exemplo e como estímulo para
investigações ulteriores.
11. A exegese bíblica abriu novas fronteiras à mariologia,
dedicando cada vez mais espaço à literatura intertestamentária. Não poucos
textos do Antigo Testamento e, sobretudo, as páginas neo-testamentárias de
Lucas e de Mateus sobre a infância de Jesus e as perícopas joaneias
constituíram objeto dum estudo contínuo e aprofundado que, mediante os
resultados conseguidos, reforçou a base escriturística da mariologia e
enriqueceu-a consideravelmente do ponto de vista temático.
12. No campo da teologia dogmática, a mariologia contribuiu,
no debate post-conciliar, para uma ilustração mais idónea dos dogmas: chamada
em causa nas discussões sobre o pecado original (dogma da Imaculada Conceição),
sobre a encarnação do Verbo (dogma da conceição virginal de Cristo, dogma da
maternidade divina), sobre a graça e a liberdade (doutrina da cooperação de
Maria na obra da salvação), sobre o destino último do homem (dogma da
Assunção), ela teve que estudar criticamente as circunstâncias históricas nas
quais aqueles dogmas foram definidos, a linguagem em que foram formulados,
compreendê-los à luz das aquisições da exegese bíblica, dum conhecimento mais
rigoroso da Tradição, das interpelações das ciências humanas e rejeitar enfim
as contestações sem fundamento.
13. O interesse da mariologia pelos problemas conexos com o
culto da bem-aventurada Virgem foi muito vivo: ele manifestou-se na
investigação das suas raízes históricas,"[31] no
estudo das motivações doutrinais e da atenção à sua inserção orgânica no «
único culto cristão »,[32] na
avaliação das suas expressões litúrgicas e das múltiplas manifestações da
piedade popular, e bem assim no aprofundamento das suas relações mútuas.
14. Também no campo ecuménico a mariologia foi objeto de
particular consideração. Relativamente às Igrejas do Oriente cristão, João
Paulo II sublinhou « quanto a Igreja católica, a Igreja ortodoxa e as antigas
Igrejas orientais se sintam profundamente unidas pelo amor e louvor à Theotokos
»; [33] por
seu lado Dimitrios I, Patriarca ecuménico, sublinhou como as « duas Igrejas
irmãs mantiveram através dos séculos inextinguível a chama da devoção à
venerabilíssima pessoa da Santíssima Mãe de Deus » [34] e
fez votos de que « o tema da mariologia ocupe um lugar central no diálogo
teológico entre as nossas Igrejas ... para o restabelecimento pleno da nossa
unidade eclesial ».[35]
No que diz respeito às Igrejas da Reforma, a época
post-conciliar é caracterizada pelo diálogo e pelo esforço duma compreensão
recíproca. Isto permitiu a superação da desconfiança secular, um melhor
conhecimento das respectivas posições doutrinais e a realização de iniciativas
comuns de investigação. Assim, pelo menos em certos casos, se puderam
compreender, por um lado, os perigos que se inserem no « obscuramento » da
figura de Maria na vida eclesial e, por outro, a necessidade de ater-se aos
dados da Revelação.[36]
Nestes anos, no âmbito do discurso inter-religioso, o interesse
da mariologia dirigiu-se para o Hebraísmo do qual provém a « Filha de Sido ».
Além disso dirigiu-se para o Islamismo, no qual Maria é venerada como santa Mãe
de Cristo.
15. A mariologia post-conciliar dedicou uma atenção renovada
à antropologia. Os Sumos Pontífices apresentaram repetidamente Maria de Nazaré
como a expressão suprema da liberdade humana na cooperação do homem com Deus,
que « no evento sublime da encarnação do Filho, se confiou ao ministério, livre
e ativo de uma mulher ».[37]
Da convergência entre os dados da fé e os dados das ciências
antropológicas, no momento em que estas dirigiram a sua atenção para Maria de
Nazaré, compreendeu-se mais claramente que a Virgem é por um lado a mais alta
realização histórica do Evangelho [38] e
a mulher que, pelo domínio de si, pelo sentido de responsabilidade, a abertura
aos outros e o espírito de serviço, pela fortaleza e pelo amor, se realizou
mais completamente no plano humano.
Foi advertida, por exemplo, a necessidade:
— de « aproximar » a figura da Virgem dos homens do
nosso tempo, salientando a sua "imagem histórica" de humilde mulher hebreia;
— de mostrar os valores humanos de Maria, permanentes e
universais, de modo que o discurso sobre ela ilumine o discurso sobre o homem.
Neste âmbito o tema « Maria e a mulher » foi muitas vezes
tratado; mas ele, susceptível de muitos modos de ser enquadrado, está longe de
se poder dizer esgotado e aguarda ulteriores desenvolvimentos.
16. Na mariologia post-conciliar apareceram temas novos ou
tratados sob um novo ângulo: a relação entre o Espírito Santo e Maria; o
problema da inculturação da doutrina sobre a Virgem e das expressões da piedade
mariana; o valor da via pulchritudinis para avançar no
conhecimento de Maria e a capacidade da Virgem de suscitar as mais altas
expressões no campo da literatura e da arte; a descoberta do significado de
Maria em relação a algumas urgências pastorais do nosso tempo (a cultura da
vida, a opção pelos pobres, o anúncio da Palavra...); a revalorização da «
dimensão mariana da vida dos discípulos de Cristo ».[39]
A
ENCÍCLICA « REDEMPTORIS MATER » DE JOÃO PAULO II
17. Na sequência da Lumen Gentium e dos documentos magisteriais
do post-Concílio coloca-se a Encíclica Redemptoris Mater de João Paulo II, a qual
confirma a impostação cristológica e eclesiológica da mariologia, necessária
para que ela revele toda a gama dos seus conteúdos.
Depois de ter aprofundado, através duma prolongada meditação
sobre a exclamação de Isabel: « Bem-aventurada aquela que acreditou » (Lc.
1, 45), os múltiplos aspectos da « fé heróica » da Virgem, que ele considera «
quase uma chave que nos manifesta a realidade íntima de Maria », [40] o
Santo Padre ilustra a « presença materna » da Virgem no caminho da fé, segundo
duas linhas de pensamento, uma teológica, a outra pastoral e espiritual:
— a Virgem, que esteve ativamente presente na vida da
Igreja no seu início (o mistério da Encarnação), na sua constituição (o
mistério de Caná e da Cruz) e na sua manifestação (o mistério do Pentecostes) —
é uma "presença operante" ao longo de toda a sua história, ou melhor,
está no «centro da Igreja a caminho », [41] em
relação à qual desenvolve uma função múltipla: de cooperação no nascimento dos
fiéis para a vida da graça, de exemplaridade no seguimento de Cristo, de
«mediação materna »; [42]
— o gesto mediante o qual Cristo confiou o Discípulo à Mãe e
a Mãe ao Discípulo (cf. Jo. 19, 25-27) determinou uma relação estreitíssima
entre Maria e a Igreja. Por vontade do Senhor, uma «nota mariana » assinala a
fisionomia da Igreja, o seu caminho, a sua atividade pastoral; e na vida
espiritual de todo o discípulo — como sublinha o Santo Padre está
inserida uma "dimensão mariana".[43]
No seu conjunto a Redemptoris Mater pode se considerada a Encíclica
da "presença materna e operante" de Maria na vida da Igreja: [44] no
seu caminho de fé, no culto que ela presta ao seu Senhor, na sua obra de
evangelização, na sua progressiva configuração a Cristo, no empenhamento
ecuménico.
O CONTRIBUTO DA MARIOLOGIA PARA A INVESTIGAÇÃO TEOLÓGICA
18. A história da teologia atesta que o conhecimento do
mistério da Virgem contribui para um conhecimento mais profundo do mistério de
Cristo, da Igreja e da vocação do homem.[45] Por
outro lado, o vínculo estreito da bem-aventurada Virgem com Cristo, com a
Igreja e com a humanidade faz com que a verdade acerca de Cristo, da Igreja e
do homem ilumine a verdade concernente a Maria de Nazaré.
19. Em Maria com efeito « tudo é relativo a Cristo ».[46] Dai
deriva que « só no mistério de Cristo se clarifique plenamente o seu mistério
»,[47] e
que, quanto mais a Igreja aprofunda o mistério de Cristo tanto mais compreenda
a singular dignidade da Mãe do Senhor e o seu papel na história da salvação.
Mas, em certa medida, é verdade também o contrário: com efeito a Igreja,
através de Maria, « testemunha excepcional do mistério de Cristo »,[48]aprofundou
o mistério da kénosis do « Filho de Deus » (Lc. 3, 38; cf. Fil.
2, 5-8) tornado em Maria « Filho de Adão » (Lc. 3, 38), conheceu com
maior clareza as raízes históricas do « Filho de David » (cf. Lc.
1, 32) a sua inserção no povo Hebraico, a sua pertença ao grupo dos « pobres do
Senhor ».
20. Além disso em Maria tudo – os privilégios, a missão, o
destino – é também intrinsecamente relativo ao mistério da Igreja. Daí
deriva que na medida em que se aprofunda o mistério da Igreja resplandece mais
nitidamente o mistério de Maria. E, por sua vez, a Igreja, contemplando Maria,
conhece as próprias origens, a sua natureza íntima, a sua missão de graça, o
destino de glória, o caminho de fé que deve percorrer.[49]
21. Finalmente, em Maria, tudo é relativo ao homem, de todos
os lugares e de todos os tempos. Ela é um valor universal e permanente. « Nossa
verdadeira irmã » [50] e
« unida na raça de Adão com todos os homens necessitados de salvação »,[51] Maria
não ilude as expectativas do homem contemporâneo. Em virtude da sua condição de
« perfeita sequaz de Cristo » [52] e
de mulher que se realizou completamente como pessoa, ela é uma fonte perene de
inspirações fecundas de vida.
Para os discípulos do Senhor a Virgem é o grande símbolo do
homem que alcança as aspirações mais íntimas da sua inteligência, da sua
vontade e do seu coração, abrindo-se por Cristo e no Espírito à transcendência
de Deus numa filial dedicação de amor e consolidando-se na história mediante um
serviço operante aos irmãos.
Para além disso « ao homem contemporâneo escrevia Paulo VI
frequentemente atormentado entre a angústia e a esperança, prostrado pelo
sentido dos seus limites e assaltado por aspirações sem fronteiras, perturbado
no espírito e com o coração dividido, com a mente atormentada face ao enigma da
morte, oprimido pela solidão enquanto tende par a comunhão, prisioneiro da
náusea e do tédio, a bem-aventurada Virgem Maria, contemplada nas suas
vicissitudes evangélicas e na realidade que já possui na cidade de Deus,
oferece uma visão serena e uma palavra animadora: a vitória da esperança sobre
a angústia, da comunhão sobre a solidão, da paz sobre a inquietação, da alegria
e da beleza sobre o tédio e a náusea, das perspectivas eternas sobre as
temporais, da vida sobre a morte ».[53]
22. « Entre todos os crentes Ela, Maria, é como um
"espelho", no qual se espelham no modo mais profundo e mais límpido
"as grandes obras de Deus" (Act. 2, 11) »,[54] que
a teologia tem precisamente a tarefa de ilustrar. A dignidade e a importância
da mariologia derivam portando da dignidade e da importância da cristologia, do
valor da eclesiologia e da pneumatologia, do significado da antropologia
sobrenatural e da escatologia: a mariologia está estreitamente conexa com estes
tratados.
II - A
VIRGEM MARIA NA FORMAÇÃO INTELECTUAL E ESPIRITUAL
A INVESTIGAÇÃO MARIOLÓGICA
23. Dos dados expostos na primeira parte desta Carta resulta
que a mariologia está viva e empenhada em questões importantes no campo da
doutrina e da pastoral. Portanto é necessário que ela, juntamente com a atenção
aos problemas pastorais que pouco a pouco vão surgindo, se preocupe antes de
tudo com o rigor da investigação, conduzida com critérios científicos.
24. Também para a mariologia vale a palavra do Concílio: « A
sagrada teologia apoia-se, como em seu fundamento perene, na Palavra de Deus
escrita e na Tradição, e nela se consolida firmemente e sem cessar se
rejuvenesce, investigando, à luz da fé, toda a verdade contida no mistério de
Cristo ».[55] O
estudo da sagrada Escritura deve ser portando como que a alma da mariologia.[56]
25. Além disso é imprescindível para a investigação
mariológica o estudo da Tradição pois que, como ensina o Vaticano II, « a sagrada
Tradição e a sagrada Escritura constituem um único sagrado depósito da Palavra
de Deus confiado à Igreja ».[57] O
estudo da Tradição revela-se além disso particularmente fecundo pela quantidade
e qualidade do património mariano dos Padres da Igreja e das diversas
liturgias.
26. A investigação da Escritura e da Tradição, realizada
segundo as metodologias mais fecunda e os mais válidos instrumentos da crítica,
deve ser guiada pelo Magistério, porque a ele é que foi confiada a guarda e
interpretação autêntica do depósito da Palavra de Deus; [58]e
deverá ser, na ocasião, confortada e integrada pelas aquisições mais seguras da
antropologia e das ciências humanas.
O ENSINO DA MARIOLOGIA
27. Considerada a importância da figura da Virgem na história
da salvação e na vida do povo de Deus, e depois das indicações do Vaticano II e
dos Sumos Pontífices, seria impensável que hoje o ensino da mariologia ficasse
esquecido: é necessário, portanto conceder-lhe o devido lugar nos seminários e
nas faculdades teológicas.
28. Tal ensino, constituindo um "tratado
sistemático" será:
a) orgânico, isto é, inserido adequadamente no
plano de estudos do currículo teológico;
b) completo, de maneira que a pessoa da Virgem
seja considerada em toda a história da salvação, isto é, na sua relação com
Deus; com Cristo, Verbo Encarnado, salvador e mediador; com o Espírito Santo,
santificador e dador de vida; com a Igreja, sacramento de salvação; com o
homem, as suas origens e o seu progresso na vida da graça, o seu destino de
glória;
c) correspondente aos vários tipos de
instituição (centros de cultura religiosa, seminários, faculdades
teológicas...) e ao nível dos estudantes: futuros sacerdotes e professores de
mariologia, animadores da piedade mariana nas dioceses, formadores da vida
religiosa, catequistas, conferencistas e todos os que desejam aprofundar o
conhecimento mariano.
29. Um ensino ministrado desta maneira evitará apresentações
unilaterais da figura e da missão de Maria, com prejuízo da visão de conjunto
do seu mistério, e constituirá um estímulo para investigações aprofundadas
através de seminários e elaborações de teses de licenciatura e de láurea sobre
as fontes da Revelação e sobre os documentos do Magistério. Além disso os diferentes
professores, numa correta e fecunda visão interdisciplinar, poderão sublinhar
no desenvolvimento do seu ensino as eventuais referências à Virgem.
30. É, portanto, necessário que cada centro de estudos
teológicos — segundo a fisionomia própria preveja na Ratio studiorum o
ensino da mariologia num modo definido e com as características acima
enunciadas; e que, consequentemente, que os professores de mariologia tenham
uma preparação adequada.
31. A este propósito convém acentuar que as Normas de aplicação
da Sapientia christiana prevêem a licenciatura e a láurea em
teologia com a especialização em mariologia.[59]
O CONTRIBUTO DA MARIOLOGIA PARA A PASTORAL E PARA A PIEDADE
MARIANA
32. Como todas as disciplinas teológicas também a mariologia
oferece um precioso contributo à pastoral. A este propósito a Marialis cultus sublinha que « a piedade à
bem-aventurada Virgem, subordinada à piedade ao divino Salvador e em conexão
com ela, tem um grande valor pastoral e constitui uma força inovadora dos
costumes cristãos ».[60] Além
disso ela é chamada a dar o seu contributo no vasto campo da evangelização.[61]
33. A investigação e o ensino da mariologia, e o seu serviço
à pastoral tendem à promoção duma autêntica piedade mariana, que deve
caracterizar a vida de todo o cristão e particularmente daqueles que se dedicam
aos estudos teológicos e se preparam ao Sacerdócio.
A Congregação para a Educação Católica pretende chamar a
atenção dum modo especial os Educadores dos Seminários da necessidade de
suscitar uma autêntica piedade mariana nos seminaristas, isto é naqueles que
serão um dia os principais responsáveis da pastoral da Igreja.
O Vaticano II, tratando da necessidade dos seminaristas terem
uma profunda vida espiritual, recomenda que eles « amem e venerem com filial
confiança a Santíssima Virgem, que foi dada como Mãe ao discípulo por Jesus
Cristo moribundo na cruz ».[62]
Por seu lado esta Congregação, em conformidade com o
pensamento do Concílio, sublinhou muitas vezes o valor da piedade mariana na
formação dos alunos do seminário:
– na Ratio fundamentalis institutionis sacerdotalis pede
ao seminarista que « ame ardentemente, segundo o espírito da Igreja, a Virgem
Maria Mãe de Cristo, a Ele associada dum modo especial na obra da redenção
»; [63]
– na « Carta circular sobre alguns aspectos mais
urgentes da formação espiritual nos seminários » (6 de Janeiro de
1980) observa que « não há nada que possa introduzir melhor ... na alegria de
crer, do que a verdadeira devoção à Virgem Maria, concebida como um esforço
cada vez mais completo de imitação »;[64] e
isto é muito importante para quem deverá fazer da própria vida um contínuo
exercício de fé.
O Código de Direito Canónico, tratando da formação
dos candidatos ao Sacerdócio, recomenda o culto da bem-aventurada Virgem Maria,
alimentado daqueles exercícios de piedade com os quais os alunos adquirem o
espírito de oração e consolidam a vocação » [65].
CONCLUSÃO
34. Com esta Carta a Congregação para a Educação Católica
quere acentuar a necessidade de fornecer aos estudantes de todos os Centros de
estudos eclesiásticos e aos seminaristas uma formação mariológica integral que
abrace o estudo, o culto e a vida. Eles deverão:
a) adquirir um conhecimento completo e exato da
doutrina da Igreja sobre a Virgem Maria, que lhes consinta discernir a verdadeira
da falsa devoção, e a autêntica doutrina das suas deformações por excesso ou
por defeito; e sobretudo que lhes abra a via para contemplar e compreender a
suprema beleza da gloriosa Mãe de Cristo;
b) alimentar um amor autêntico à Mãe do
Salvador e Mãe dos homens, que se exprima em formas de veneração genuínas e se
traduza na « imitação das suas virtudes » [66] e
sobretudo num empenho decidido a viver segundo os mandamentos de Deus e a fazer
a sua vontade (cf.Mt. 7, 21; Jo. 15, 14);
c) desenvolver a capacidade de comunicar tal
amor com a palavra, os escritos, a vida, ao povo cristão, cuja piedade mariana se
deve promover e cultivar.
35. Com efeito, duma formação mariológica adequada, na qual o
élan da fé e o empenho do estudo se conjugam harmonicamente, derivarão
numerosas vantagens:
– no plano intelectual, porque a verdade
acerca de Deus e do Homem, acerca de Cristo e da Igreja, vem aprofundada a
exaltada pelo conhecimento da « verdade sobre Maria »;
– no plano espiritual, porque tal formação
ajuda o cristão a acolher e a introduzir « em todo o espaço da própria vida
interior »,[67] a
Mãe de Jesus;
– no plano pastoral, para que o povo
cristão sinta fortemente a Mãe do Senhor como uma presença de graça.
36. O estudo da mariologia tende, como sua meta última, à
aquisição duma sólida espiritualidade mariana, aspecto essencial da
espiritualidade cristã. No seu caminho para a obtenção da plena maturidade de
Cristo (cf. Ef. 4, 13), o discípulo do Senhor, consciente da missão
que Deus confiou à Virgem na história da salvação e na vida da Igreja, assume-a
como "mãe e mestra de vida espiritual": [68] com
ela e como ela, à luz da Encarnação e da Páscoa, imprima à própria existência
uma orientação decisiva para Deus por Cristo no Espírito, para viver na Igreja
a proposta radical da Boa Nova e, em particular, o mandamento do amor (cf. Jo.
15, 12).
Eminências, Excelências, Reverendos Reitores dos Seminários,
Reverendos Presidentes e Decanos das faculdades eclesiásticas, queremos esperar
que as breves orientações acima indicadas tenham a recepção devida entre os
professores e os estudantes para que se possam obter os frutos desejados.
Desejando às Vossas Pessoas a abundância das bênçãos divinas,
nos subscrevemos, muito atentamente,
WILLIAM
Cardinal BAUM
Prefeito
Prefeito
ANTONIO
M. JAVIERRE ORTAS
Arcebispo tit. de Meta Secretário
Arcebispo tit. de Meta Secretário
Notas
[1] Synodus episcoporum, Eeclesia sub Verbo Dei mysrteria
Christi celebrans pro salute mundi. Relatio finalis (Civitas Vaticana
1985) I, 2.
[13] Cf. Concilium Toletanum XI, 48:
Denziger-Schönmetzer, Enchiridion Symbolorum definitionum et
declarationum de rebus fidei et morum (Barcinone 1979) 536.
[23] Paulo VI, Allocutio tertia SS. Concilii periodo exacta (21
Novembris 1964): AAS 56 (1964) 1014-1018.
[31] Seis Congressos Mariológicos Internacionais, organizados pela
Pontifícia Academia Mariana Internacional, realizados desde 1967 a 1987,
estudaram sistematicamente as manifestações da piedade mariana desde as origens
até ao século XX.
[34] Dimitrios I, Homilia pronunciada a 7 de Dezembro de 1987
durante a celebração das Vésperas em Santa Maria Maior (Roma): L'Osservatore
Romano (7-8 da Dezembro de 1987) 6.
[36] Para uma formação mariológica atenta ao problema ecuménico,
apresenta preciosas indicações o Directório ecuménico: Secretariatus ad
Christianorum Eunitatem Fovendam,Spiritus Domini (16 Aprilis
1970): AAS 62 (1970), 705-724.
[38] Cf. III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano (Puebla
1979), A evangelização no presente e no futuro de América Latina (Bogotá
1979) 282.
[59] Esta Congregação constatou com alegria que não são raras as
dissertações de licenciatura e de láurea em teologia que têm como objeto de
investigação um tema mariológico. Mas persuadida da importância de tais estudos
e querendo incrementá-los, a Congregação em 1979 instituiu a « licenciatura e a
láurea em teologia com especialização em mariologia » [cf. João Paulo II,
Const. Ap. Sapientia Christiana (15 Aprilis 1979) Appendix II
ad art. 64 « Ordinationum », n. 12: AAS 71 (1979) 520], que,
actualmente, se podem conseguir na Pontificia Faculdade Teológica « Marianum »
de Roma e no International Marian Research Institute — University of Dayton —
Ohio, U.S.A., incorporado no « Marianum ».
[63] Congregatio Pro Institutione Catholica, Ratio fundamentalis
institutionis sacerdotalis(Romae 1985) 54 e.
[64] ID., Carta circular sabre alguns aspectos mais urgentes da
formação espiritual nos seminários, II, 4.
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Nieustanne potrzeby??? Nieustająca Pomoc!!!
Witamy u Mamy!!!