No
quadro de Rembrandt* o pai e o filho
mais velho são muito parecidos: os dois tem uma longa barba, ambos estão vestidos com roupas finas e cobertos
com um manto vermelho.
Mas as posturas, as atitudes e
as condutas são totalmente opostas.
O pai correu ao encontro do filho que estava
perdido e, agora, está inclinado sobre ele, abraçando-o; o filho mais velho fica
voluntariamente afastado de ambos, num nível mais alto, com os lábios apertados,
de pé, rígido, postura realçada pelo bastão reto que segura nas mãos e que
chega até o chão. As mãos dopai estão
estendidas, apertando suavemente contra o peito e abençoando o filho que voltou; as
do filho mais velho estão presas uma na outra diante do
peito, sem nenhum gesto de abertura, de acolhida, de reconciliação.
"O filho
mais velho estava no campo" (Lc. 15,25).
A caminhada
do filho mais jovem não pode ser separada da de seu irmão
mais velho.
A
maneira como ele se posiciona olhando para o gesto acolhedor do pai não deixa
dúvida sobre quem Rembrandt quer retratar. Podemos perceber neste
observador distante e severo tudo o que Jesus nos diz sobre o filho mais velho. Entretanto,
a parábola deixa claro que o filho mais velho ainda não está em casa quando o
pai abraça seu filho
perdido e lhe mostra a compaixão.
lista
aparente discrepância entre a pintura e a parábola se explica pela tradição
visual e iconográfica do tempo de
Rembrandt, onde a parábola do fariseu e do publicano e a parábola do filho
pródigo estavam intimamente
ligadas.
O
homem sentado batendo no peito e olhando para o filho que volta é um servo
representando os pecadores
e cobradores de impostos, enquanto o homem de pé olhando para o pai de
maneira enigmática e o
filho mais velho representando os escribas e fariseus.
A volta do filho pródigo é
uma obra que resume a grande luta espiritual e as grandes escolhas que
essa luta exige. Pintando não
somente o filho mais jovem nos braços de seu pai, mas também o filho mais velho que
pode aceitar ou não o amor que lhe é oferecido, Rembrandt nos apresenta
o "drama interior doser humano".
Assim como a parábola do filho pródigo encerra o
cerne da mensagem do Evangelho e chama os que a ouvem para que façam suas próprias escolhas diante dela, da mesma
forma a pintura de Rembrandt encerra sua própria luta espiritual e convida os
que a contemplam para que tomem, unia decisão pessoal sobre suas vidas.
A verdade que a volta é
o principal acontecimento da pintura; entretanto, ela não está situada no
centro da tela. Ocorre do lado esquerdo da
pintura, enquanto do lado direito predomina a figura austera
do filho mais velho.
O principal espectador,
observando o pai abraçando o filho que volta, parece muito afastado. Ele olha
para o pai mas sem alegria. Ele
não se aproxima, não sorri, não acolhe e nem expressa
boas-vindas. Ele simplesmente fica lá, ao
lado do estrado, aparentemente não querendo sobressair. Há um espaço grande
separando o pai do filho mais velho, um espaço que cria unia tensão que
precisa ser resolvida,
- Quê
pensamentos e. quê sentimentos passam pela sua cabeça e. pelo
seu coração?
- O que
irá ele fazer? Chegará mais perto e abraçará seu irmão
como fez seu pai, ou irá embora com raiva e inveja?
Também
ele precisa abraçar o irmão e ser abraçado pelo pai; também ele precisa ser curado
pelo amor e pelo
perdão do pai.
A luz que
sai do rosto do pai irradia o corpo todo
do filho mais novo. Ela ilumina também o rosto do filho mais velho, mas só
parcialmente; não é uma luz ampla e quente, mas
estreita e fria. Sua figura permanece no escuro e suas mãos entrelaçadas
continuam nas sombras. A capa do pai é larga e
acolhedora; a do filho mais velho cai rente ao corpo.
Texto bíblico: Lc 18,9-14
Pedir a graça: pedir a graça de
descobrir em que medida os sentimentos e atitudes do filho mais velhoestão presentes
em mim, escravizando-me e fazendo-me
infeliz.
DEUS:
PAI E MÃE "... encheu-se de compaixão, correu
e lançou-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos".
O verdadeiro alvo da pintura
de Rembrandt são as mãos do pai.
Um dado
de uma extraordinária riqueza simbólica e teológica da obra é que as mãos com
que o pai acolhe e abraça o filho são diferentes uma da outra.
Nelas
se concentra toda a luminosidade, a elas se dirigem os
olhares dos que estão próximos; nelas a misericórdia se personifica; nelas se unem
perdão, reconciliação e cura e, através delas, não somente o filho cansado, mas também o
pai abatido., encontra repouso.
A mão
esquerda do pai tocando o ombro do filho é forte, larga, viril,
musculosa. Os dedos estão bem abertos
e cobrem o ombro direito e parte das costas do filho. Podemos sentir uma leve pressão, sobretudo do
dedo polegar. A mão não
parece somente tocar, mas, com sua força, também sustentar. Sem deixar de expressar ternura e delicadeza na
maneira com que o pai toca o filho, sua mão esquerda protege e fortalece, dá segurança e oferece comunhão.
A mão direita do pai não segura
ou agarra; ela apoia-se sobre o lado esquerdo das costas do filho;
é delicada, macia e muito meiga. Os
dedos, alongados e finos, estão juntos e tem uma certa elegância. Trata-se de uma mão suave, feminina, mão que quer
acariciar, afagar e oferecer consolo e conforto. E a mão de uma
mãe.
O pai não é
somente um grande patriarca. Ele é igualmente pai e mãe.
Ele toca o filho com uma mão masculina e
uma feminina. Ele segura, ela acaricia.
Ele confirma, ela consola. Ele é, certamente,
Deus em quem o masculino e o feminino, a paternidade e a maternidade estão totalmente
presentes.
Ao contemplar o velho patriarca passamos a ver
não só um pai que aperta seu filho nos braços, mas
também uma mãe que acaricia seu filho, envolve-o
com o calor do seu corpo e segura-o contra o ventre do qual ele saiu. Assim, a "volta do
olho pródigo" se torna a volta ao seio de Deus, o retomo às
origens do ser e novamente faz ecoar a exortação de Jesus a Nicodemos para
renascer do alto.
Aquela
mão direita carinhosa faz ecoar as palavras do profeta Isaías:
"Por acaso uma mulher
se esquecerá da sua criancinha de peito? Não se compadecerá ela do filho do
seu ventre? Ainda que as mulheres se
esqueçam eu não me esquecerei de ti. Eis que te gravei nas palmas das das
minhas mãos" (Is.49,15-16).
A mão
do pai acariciante e feminina está em paralelo com o pé ferido e descalço do
filho, enquanto a mão forte masculina corresponde ao pé calçado na sandália.
Não seria demais pensar que uma das mãos protege
o filho no seu aspecto vulnerável, enquanto a outra reforça o seu vigor e, aspiração de ir adiante
na vida.
Outro símbolo da acolhida e
da proteção que Deus oferece a todos os seus filhos e filhas é o grande
manto vermelho, sobre os ombros e as costas do
pai. Com sua cor quente e sua forma de arco, oferece um lugar de abrigo onde
encontramos segurança e aconchego.
O manto cobrindo o corpo curvado do pai
parece-nos uma tenda convidando o viajante cansado a
encontrar
algum repouso.
Além disso, outra imagem, mais forte do que a da
tenda, vem à mente: as asas protetoras do pássaro
fêmea. Exprimem cuidado,
proteção, um lugar para repousar e se sentir a salvo.
"Jerusalém,
Jerusalém... quantos vezes eu quis ajuntar os teus filhos, como a galinha
recolhe os seus pintinhos debaixo das suas asas, e não o
quiseste". (Mt 23,37-37)
A PERDA DA PRÓPRIA IDENTIDADE
"... e ali
dissipou a sua. herança numa vida devassa. E gastou tudo.
Sobreveio àquela região uma
grande fome, e ele começou a passar privações.
Foi, então, empregar-se com
um dos homens daquela região que o mandou para os
seus campos cuidar dos porcos. Ele queria matar a
fome com as bolotas que os
porcos comiam, mas ninguém
lhas dava"(Lc. 15,13-16).
O
que aconteceu com o filho no país distante? Vemos diante de nós um homem que
se afundou numa terra estranha e perdeu tudo o que levou consigo. Vemos
um vazio, humilhação c derrota. Ele, que era tão semelhante
ao pai, deixou a casa paterna vestido de roupas finas, cheio de saúde,
de dinheiro
e de auto-suficiência. Volta
totalmente espoliado: sem
dinheiro, honra, amor próprio,
esfarrapado, faminto, sem dignidade... tudo havia sido dissipado.
Para os ouvintes da parábola
o contraste não podia ser mais chocante: um jovem judeu, de boa
família,
vê-se obrigado a vender o
único bera que lhe resta - sua força de trabalho.
E o serviço que o patrão pagão lhe deu foi o mais vergonhoso e
humilhante: cuidar de porcos. "Maldito seja o homem que cuida de porcos", afirma
o Talmud.
Alimentar e fazer crescer o
que há de mais imundo no inundo é a abominação máxima para um judeu.
Além de ser abominável, esse
serviço torna impuro e marginaliza aquele que o faz.
Como conseqüência da opção
do filho caçula temos a apostasia da própria religião, pois um
judeu que
serve a um pagão rompe o
vínculo com Deus.
A
perdição do jovem é a encarnação de uma existência alienada e
escravizada. Depois de romper a relação de comunhão e de intimidade com o pai,
afastando-se dele, chegou ao fundo do abismo da degradação.Rembrandr, no seu quadro,
deixa pouca dúvida sobre sua condição. Sua cabeça está raspada, como a
dos prisioneiros e dos escravos. Quando
a cabeça de um homem é raspada ele é despojado de uni dos
seus traços de sua personalidade;
perde sua identidade.
As roupas com que Rembrandt o veste são roupas
íntimas, esfarrapadas, que mal cobrem seu corpo extenuado. O pai e o homem
alto que observa a cena usam amplos mantos carmim, que lhes confere status e dignidade. O filho ajoelhado não tem
agasalho; é um homem pobre, muito pobre. As solas dos pés narram a história de uma jornada longa e penosa.
O pé esquerdo, por fora
da sandália muito usada, está machucado.
O pé direito, calçado numa
sandália arrebentada, também aponta para sofrimento e miséria.
Eis um homem despojado de
tudo... a não ser de sua espada. O único sinal de
dignidade que resta é a
pequena espada presa ao seu
quadril - emblema de sua nobreza, símbolo de sua filiação.
O filho
mais jovem só caiu na conta que estava perdido quando ninguém mais se
interessava por ele. Só tomaram conhecimento de sua pessoa enquanto podia lhes ser útil.
Quando ninguém queria lhe
dar o alimento que ele estava dando aos porcos, o filho mais jovem
entendeu que não era ao menos
considerado como um ser humano: valia menos que os porcos. Sentiu, então a
profundeza de seu isolamento e a rnais completa solidão que
alguém pode sentir. Estava realmente perdido e foi essa noção de perda total que
o chamou à realidade. Ficou em estado de choque, dando-se conta da absoluta
loucura do seu comportamento, verificando, de repente, que estava a caminho da morte. Havia se
desligado tanto daquilo que dá a vida — família, amigos, comunidade, relacionamentos e mesmo alimentação
— que a morte seria naturalmente o próximo passo. Viu instantaneamente e com mudez
o caminho que escolheu; compreendeu a sua opção pela morte;
percebeu que um passo a mais naquela direção o levaria à autodestruição.
a oração: na contemplação, poderíamos penetrar no
mundo interior dos sentimentos do filho pródigo, na sua experiência de fracasso, de vazio e
de solidão. Pedir a graça; - pedir a graça de
experimentar a alienação e a destruição em que caímos quando nos
afastamos de Deus, quando rompemos a
comunhão com Ele; - pedir a graça de sentir no mais
profundo de nós mesmos a saudade do
Pai, do nosso único e verdadeiro Abba, do amor Infinito e apaixonado com que Ele nos ama.
Textos
bíblicos: Mc. 5,1-20 Mc.
2,1-12 Mc. 2,13-17 Lc.
7,36-50 Lc. 7,11-17
Na oração: As
mãos de Deus desde sempre me sustentaram, me acolheram, me alimentaram, protegeram-me nos momentos de
perigo e me consolaram nas horas de
dor. Essas são as mãos de Deus. São também as mãos de meus pais, professores, amigos... e de todos aqueles
que Deus colocou no meu caminho.
Pedir a graça: pedir a graça de
sentir a ternura e o carinho, a força e
a proteção, o consolo e a cura das
mãos benditas de nosso Deus pousadas
sobre nossos ombros cansados e que nos apertam contra seu coração.
*Rembrandt Hermans van Rijn foi um
grande pintor holandês, nascido em 15 de julho 1606, em uma humilde família
de moleiros, que o criaram, juntamente aos seus quatro irmãos mais
velhos, com muitas dificuldades, mas com apoio a sua aptidão artística.
O estilo de suas obras revelam o cerne do movimento artístico do
Barroco. Morreu na pobreza e nos esquecimento aos 63 anos, pois foi
incompreendido como tantos outros colossos e, somente se tornou reconhecido anos
mais tarde após sua morte. Influenciado e incentivado pelo mestre Jakob Van
Swanenburch, que não permitiu que largasse o estudo e a pintura,
Rembrandt vai para Amsterdam, com o intuito de expandir os horizontes.
Em 1627, Rembrandt retorna a Leyden e monta seu próprio ateliê, com Jan
Lievens. O último retrato é impactante e profundamente trágico, dramático. A
sua pele está envelhecida, com a mesma textura dos mortos das Lições de
Anatomia, com as marcas da dor e do sofrimento. Com bastante sensibilidade e
expressão nos seus inúmeros auto-retartos, imprimiu na arte a tristeza de sua
trágica vida. Rembrandt casa-se com Sashia em Amsterdam, onde vive com luxo e
riqueza. É assim que atinge fama e fortuna. Mas, depois disso, uma série de
tragédias permeiam a sua vida: morrem seus três filhos no mesmo ano; um com
apenas um ano e logo após, também a sua mãe e os quatro irmãos. Uma das
únicas alegrias do artista foi o nascimento de Tito, que é o único filho que
chega à vida adulta. Porém, até neste momento, ele sofre uma grande e
profunda perda, que é justamente sua esposa e musa. Até na sua mais famosa
obra, na referência acima,“The Shooting Company of Captain Frans Banning Cocq
(A Mudança de Guarda da Companhia do Capitão Frans Banning Cocq), mais
conhecida como The Night Watch (A Ronda Noturna) foi fruto de um trabalho não
reconhecido, uma vez que o capitão a recusou sob alegação de que não queria
um retrato de sua companhia e sim de si mesmo. Aliás, tinha personalidade
forte e não sabia lidar com seus clientes, pois brigava com muitos deles.
Incompreendido pela burguesia, não recebe encomendas de seus autro-retratos,
nem pinturas religiosas, já que tinha espaço restrito na Holanda do século
XVII. Ele junta-se a sua jovem criada, que torna-se sua musa.
Entretanto, o testamento de sua ex-mulher não permite que ele se case de
novo, senão perderia o patrimônio conquistado por ambos. Este dinheiro o
sustenta durante o fim da vida do artista.
A sua companheira Hendrickje também
morre em 1663. A sua única alegria ainda é pintar, pois na verdade, não
consegue mais vender suas obras e se sente arruinado e na miséria. No fim de
sua vida, sustentado pelo filho, pinta uma seqüência de fotos de sua família,
de Tito, com a expressão de suas tragédias pessoais.
LIVRO INDICADO PARA MEDITAÇÃO: A volta do filho
pródigo- Henri J. m. Nouwen- paulinas.
|
Komentarze
Prześlij komentarz
Nieustanne potrzeby??? Nieustająca Pomoc!!!
Witamy u Mamy!!!