† António Marto - Leria, 15 de setembro de 2015,
s
Ao iniciar esta carta de apresentação do percurso pastoral da
nossa diocese para o próximo biénio, desejo, antes de mais, saudar-vos
fraternalmente no Senhor.
Foi bom e belo o percurso destes dois últimos anos dedicados
à pastoral familiar, que culminou na grande Festa das Famílias. “A alegria e a
beleza de viver em família” à luz da fé tocou muitos corações, despertou
entusiasmo, animou grande número de famílias, suscitou dedicação e empenho nas
comunidades, abriu e potenciou caminhos de serviço pastoral em relação aos
vários âmbitos e situações familiares.
Todo este dinamismo
não pode abrandar agora, quando entramos num novo biénio dedicado a Nossa
Senhora. Ela foi mulher, esposa, mãe e cuidou da família de Nazaré, vivendo
mesmo situações de provação. Por isso, ela é modelo, guia e amparo para as
nossas famílias. Uma genuína e sólida espiritualidade mariana é uma forte ajuda
para “a alegria e a beleza de viver em família” na companhia de Maria, Mãe de
Ternura e de Misericórdia.
1. O Centenário das Aparições
Aproxima-se a data jubilar do Centenário das Aparições de
Nossa Senhora em Fátima. É um momento importante para a nossa diocese. Um ano
jubilar é uma grande convocação para nos alegrarmos, agradecer e fruir este tão
grande dom de Deus e tudo o que ele trouxe à Igreja e à humanidade. Não podemos
de modo algum desperdiçar esta ocasião de celebração e de memória.
O mais importante, porém, não são os rituais, nem as
cenografias ou montagens estéticas. A celebração de um ano jubilar pode e deve
ser sobretudo um grande acontecimento profético. Para além do aspeto
comemorativo, deve ser vivido na sua permanente atualidade de graça e de
renovação para a Igreja e para o mundo de hoje, rumo a um futuro melhor.
A nossa diocese tem uma responsabilidade acrescida, porque
foi no seu espaço geográfico que se realizou o acontecimento-mensagem de
Fátima, porque os primeiros protagonistas a quem foi confiada a mensagem foram
membros da Igreja diocesana e porque tudo se perpetua e continua vivo no e
através do nosso Santuário de Nossa Senhora do Rosário de Fátima.
Como cada batizado tem um carisma próprio para o serviço da
comunidade, assim cada Igreja local tem o seu próprio carisma para oferecer à
catolicidade da Igreja, para o enriquecimento comum. Também a nossa diocese tem
este carisma: cuidar do dom das Aparições de Nossa Senhora e da sua mensagem
específica, vivendo-o e difundindo-o para o fortalecimento da fé, para a
renovação da Igreja e a paz no mundo. Trata-se de um carisma que se vai
configurando e aprofundando através do tempo. Este tempo do jubileu pede-nos
uma maior consciência desta responsabilidade. À sua preparação e celebração
decidimos dedicar o próximo biénio pastoral.
2. O Ano Santo da
Misericórdia: o caminho da Igreja no novo milénio
No passado dia 11 de abril, o Santo Padre proclamou um Ano
Santo Extraordinário da Misericórdia, a começar no próximo dia 8 de dezembro,
solenidade da Imaculada Conceição, e a encerrar no dia 20 de novembro de 2016,
solenidade de Cristo Rei. Na bula de proclamação, o Papa Francisco justifica o
motivo: “A primeira missão da Igreja é introduzir todos no grande mistério da
misericórdia de Deus contemplando o rosto de Cristo, sobretudo num momento como
o nosso, cheio de grandes esperanças e de fortes contradições” (MV 25).
Nesta missão joga-se também a credibilidade da Igreja que
“passa pelo caminho do amor misericordioso e compassivo” (MV 10). Aos bispos de
Timor-Leste, na visita ad limina, o Papa especificava: “Sem a misericórdia,
poucas possibilidades temos hoje de nos inserir num mundo de ‘feridos’ que têm
necessidade de compreensão, de perdão, de amor. Por isso, não me canso de
chamar a Igreja inteira à ’revolução’ da ternura’ (Cf. EG 88)”.
De facto, vivemos hoje num mundo ferido – nos mais variados
aspetos da vida pessoal, familiar, social – e cínico no estilo de vida fechado
no bem-estar individual, na indiferença, na competitividade e na violência.
Este nosso mundo ferido e cínico tem necessidade de uma cura de misericórdia.
Se os cristãos não procurarem na misericórdia o seu caráter distintivo e se nós
todos não voltarmos a dar a cidadania cultural à compaixão, à mansidão e à
misericórdia, acabaremos vítimas do cinismo mais frio, calculista ou cruel.
“Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai. O mistério da
fé parece encontrar a sua síntese nestas palavras”, assim começa o texto da
bula do Ano Santo (MV 1). Mas, no final, o Santo Padre refere-se a Maria Mãe da
Misericórdia nestes termos: “A doçura do seu olhar nos acompanhe neste Ano
Santo para podermos todos nós redescobrir a alegria da ternura de Deus. Ninguém
como Maria conheceu a profundidade do mistério de Deus feito homem. Na sua
vida, tudo foi plasmado pela presença da misericórdia feita carne” (MV 24).
3. O biénio pastoral: Maria, Mãe de Ternura e de Misericórdia
Em comunhão com a Igreja universal, não podemos deixar de
integrar o Ano Santo da Misericórdia no nosso percurso pastoral. Aliás, este
aspeto veio valorizar ainda mais o nosso programa, uma vez que o cerne da
mensagem de Fátima é, como veremos, Graça e Misericórdia. Em Fátima, Deus deu
também uma lição sobre Si mesmo, sobre o seu modo de ser e de agir: uma lição
sobre a misericórdia que pertence a Deus como traço essencial. É um ensinamento
que não podemos esquecer.
O grande protagonista do acontecimento Fátima é o próprio
Deus misericordioso que, através de Maria, Mãe de Jesus e da Igreja, envia uma
mensagem e um apelo concreto ao mundo numa situação trágica. Maria fala-nos de
Deus com a linguagem do seu coração materno. Neste sentido, escolhemos como
tema geral do biénio a figura de Maria, Mãe de Ternura e de Misericórdia.
É certo que Maria não é o centro do cristianismo. Não pode de
modo algum substituir a Cristo, único mediador e salvador. Mas ela tem um lugar
e uma missão singulares ao lado de Cristo e ao serviço de Cristo, da Igreja e
da humanidade, precisamente como Mãe do Salvador, unida a Ele por laços indissolúveis.
O II Concílio do Vaticano afirma que “Maria, pela sua
participação íntima na história da salvação, reúne por assim dizer e reflete em
si as mais altas verdades da fé” (LG 65). E João Paulo II explicita: “Ela é
como um espelho em que se refletem, da maneira mais profunda e luminosa, as
maravilhas de Deus” (RM 25).
O nosso amor a Maria é muito mais do que uma mera devoção
sentimental; é, antes, a contemplação da beleza do amor misericordioso de Deus
por nós, pela humanidade dispersa que Ele quer reunir; é a contemplação da
beleza da Igreja como Povo do Senhor, de que ela é membro eminente e mãe
amorosa; e da beleza da vida com Cristo, de quem ela foi mãe e primeira e
perfeita discípula.
Nesta perspectiva, vamos contemplá-la ao longo destes dois
próximos anos. No primeiro ano, temos como objetivo “pôr em relevo a figura de
Maria na história da salvação e na vida do Povo de Deus”, sob o lema “Feliz de
ti que acreditaste” (Lc 1, 45); no segundo ano, o objetivo será “mostrar o
relevo das Aparições de Fátima para a vida cristã e eclesial hoje”, sob o lema
“O meu Coração Imaculado conduzir-vos-á até Deus”.
Naturalmente, tudo tem em vista uma renovação da vida cristã
e da Igreja. Como afirma perspicazmente o cardeal W. Kasper, “uma verdadeira
renovação da Igreja não é possível sem uma renovada mariologia e sem uma
renovada devoção a Maria. Por isso, Maria pode ser também hoje um modelo para
uma renovação da vida da Igreja e ajudar a realizá-la”.
4. Muitos títulos, uma só Senhora, uma só Mãe
Desejaria ainda esclarecer, à partida, um equívoco que grassa
por vezes no meio do nosso povo.
São muitos os santuários marianos no mundo e inúmeras as
invocações a Maria. Há pessoas convencidas de que estes títulos se referem a
“Nossas Senhoras” diferentes, a ponto de alguns discutirem qual é a mais
poderosa ou mais milagrosa.
Mas só existe uma Nossa Senhora, a Mãe de Jesus e nossa Mãe,
que acompanhou e acompanha os seus filhos em todos os lugares e culturas e nos
ensina a buscar a unidade na fé e no amor em Cristo. Por isso, ela não tem
problema em apresentar-se com vestes diversas e em cores de pele diferentes.
Não tem receio em falar-nos em distintas línguas e linguagens.
Ao longo da história, o grande amor dos fiéis foi dando
diferentes títulos à Virgem Mãe, segundo os lugares em que foi vivenciada a sua
presença (Guadalupe, Aparecida, Lurdes, Fátima...), segundo os mistérios da sua
vida com Cristo (Anunciação, Encarnação, Assunção...), segundo a forma como
experimentaram a sua ajuda ou conforto nas várias situações da vida (Mãe de
Misericórdia, Senhora da Saúde...). Mas é sempre a mesma e única Senhora que se
manifesta ou atua nos diferentes lugares e de diversas formas.
A FIGURA DE MARIA NA HISTÓRIA DA SALVAÇÃO
Vamos agora refletir sobre o mistério da salvação comunicado
a Maria, no qual ela é chamada a participar e colaborar de modo singular e
extraordinário. Trata-se de uma meditação, em estilo narrativo, seguindo os
passos da Mãe do Senhor tal como a descrição dos Evangelhos nos permite
acompanhá-los desde Nazaré, Belém, Caná até ao Calvário e ao Cenáculo do
Pentecostes. Seguimos a bela indicação de João Paulo II: “A Igreja olha Maria
através de Jesus, como olha Jesus através de Maria” (RM 26). Assim
compreendemos a posição única de Maria na história da salvação, no mistério de
Cristo e da Igreja.
5. O grande anúncio a Maria (Lc 1, 26-38): Mãe do Filho de
Deus
A importância de Maria na história da salvação torna-se
clara, se considerarmos o título mariano fundamental de Mãe de Jesus, Mãe do
Senhor, que lhe é anunciado como Filho do Altíssimo, e por isso Mãe de Deus.
Ela é introduzida definitivamente no mistério de Cristo, mediante o
acontecimento da anunciação do Anjo.
O mensageiro de Deus visita-a e comunica-lhe precisamente o
anúncio do maior acontecimento da nossa história: a incarnação do Filho de
Deus.
É interessante notar que o relato inicia com o convite à
alegria. “Alegra-te, ó cheia de graça, o Senhor está contigo” – são estas as
primeiras palavras que o Anjo dirige a Maria. Não se trata de mera saudação
usual, como poderia parecer à primeira vista. Lidas à luz das profecias do
Antigo Testamento, constituem um anúncio de alegria pela vinda do Messias
(Salvador). Trata-se de uma saudação que marca o início do Evangelho como Boa
Nova comunicada a Maria e através dela à humanidade.
De facto, o Anjo apresenta à Virgem Maria o projeto da
salvação de Deus de vir morar no meio do seu povo e pede-lhe a colaboração para
ser mãe do Redentor que lhe é anunciado como Filho do Altíssimo. Ela fica
surpreendida e perturbada, mas o Anjo diz-lhe uma palavra de consolação: “Não
temas, pois achaste graça diante de Deus... A Deus nada é impossível” (Lc 1,
30.37). Como quem lhe diz: tu levas Deus em ti, mas Deus leva-te a ti!
Maria pôde assim dar a sua resposta livre, o seu sim: “Eis a
serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua Palavra”. Colocou-se totalmente à
disposição do projeto salvífico de Deus em favor dos homens, abriu-Lhe de par
em par as portas do seu coração e do seu seio, tornando-se morada do Altíssimo.
O sim de Maria é a porta pela qual Deus entra na nossa história assumindo a
natureza humana.
A maternidade de Maria não é algo meramente biológico. É um
acontecimento de fé: “recebeu a Cristo no seu coração pela fé, antes de O
receber no seu seio” (Santo Agostinho). Como mãe do Redentor, partilhou
intimamente toda a sua vida e missão, permanecendo a seu lado desde o berço até
ao calvário. “Cristo e a sua Mãe são inseparáveis” (Papa Francisco). Ela
tornou-se a primeira crente e discípula perfeita do Filho, modelo de todos os
crentes.
Para realizar esta missão materna, Deus preparou-a de modo
especial. O mensageiro não a chama pelo nome próprio Maria; chama-a pelo nome
dado por Deus, “a cheia de graça”, isto é, cheia do amor de Deus que a torna
toda santa, preservando-a de todo o contágio do pecado desde o início da sua
existência. Além disso, explicita a maternidade virginal de Maria para ficar
clara a origem divina de Jesus, Filho de Deus feito homem, pela obra
inimaginável do Espírito Santo.
Como é que Maria na sua maternidade ilumina a fé e a
espiritualidade do cristão e a missão pastoral da Igreja? Eis dois belos textos
dos Papas João Paulo II e Bento XVI, respetivamente:
“Maria leva-nos a aprender o segredo da alegria cristã,
lembrando-nos que o cristianismo é antes de mais Evangelho, boa notícia que tem
o seu centro e o seu conteúdo na pessoa de Jesus Cristo, o Verbo feito carne,
único Salvador do Mundo” (João Paulo II, RVM 20).
“A Virgem Maria, pelo seu papel insubstituível no mistério de
Cristo, representa a imagem e o modelo da Igreja. Também a Igreja, como fez a
mãe de Cristo, é chamada a acolher em si o mistério de Deus que habita nela...
a refletir cada vez mais o seu verdadeiro rosto no qual Deus se aproxima e
encontra os homens. A Igreja, corpo vivo de Cristo, tem a missão de prolongar
na terra a presença salvífica de Deus, de abrir o mundo a algo maior do que ele
mesmo, ao amor e à luz de Deus” (Bento XVI, Homilia, 26/03/2012).
Perante a grandeza do mistério da maternidade divina de
Maria, rezemos a conhecida antífona: “Virgem Santa Imaculada, não há palavras
dignas do vosso louvor: por vós recebemos o Salvador do mundo, Jesus Cristo,
Nosso Senhor”!
6. A grandeza da fé de Maria (Lc 1, 39-45): “Feliz de ti que
acreditaste”
As boas notícias são para se comunicarem. Não há coração tão
grande que seja capaz de as conter: sente-se necessidade de as partilhar com os
amigos, com os mais íntimos. Assim, ao acabar de dizer o “sim” (faça-se), como
discípula perfeita, Maria parte logo em missão. Não guarda para si a graça
recebida. O seu primeiro gesto foi dirigir-se ‘apressadamente’ em visita à
prima Isabel para partilhar a boa nova, o segredo íntimo que ambas traziam
dentro de si, para lhe levar Cristo e, com Ele, a ternura e o afeto da
companhia e do apoio. Eis a discípula missionária, a Senhora da prontidão e da
ternura.
Isabel, por sua vez, antecipou-se exclamando: “Bendita és tu
entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre. De onde me é dado que venha
ter comigo a Mãe do meu Senhor? ”. Esta última frase da saudação é semelhante à
que no Antigo Testamento era dirigida à Arca da Aliança. Assim, Maria é a Arca
Santa em pessoa e traz em si a presença de Deus que é fonte de consolação e de
alegria.
Por fim, Isabel mostra que a raiz de toda esta alegria é a
fé: “Feliz de ti que acreditaste”! Exalta a grandeza da fé de Maria que aceita
tornar-se morada de Deus e colaborar com Ele para a salvação do mundo através
da sua maternidade. Santo Agostinho comenta de modo excelente: “Maria foi maior
em receber a fé em Cristo do que em conceber a carne de Cristo. Por isso, a
consanguinidade materna de nada teria aproveitado a Maria, se ela não se
tivesse sentido mais feliz em hospedar Cristo no coração do que no seio”
(Sermão 215, 1).
Eis aqui a imagem e o modelo da Igreja discípula missionária,
Igreja em saída. “Aquela que recebeu o dom mais precioso de Deus, como primeiro
gesto de resposta, pôs-se a caminho para servir e levar Jesus. Peçamos a Nossa
Senhora que também nos ajude a transmitir a alegria de Cristo aos nossos
familiares, aos nossos companheiros, aos nossos amigos, a todas as pessoas”
(Papa Francisco, Angelus no Rio de Janeiro).
7. Magnificat, o canto da misericórdia (Lc 1, 46-55)
A alegria profunda da visitação e do encontro com Isabel
prolonga-se e exprime-se, de modo singular e surpreendente, no canto que brota
do coração e dos lábios de Maria, o Magnificat. É um dos textos mais belos e
expressivos do Novo Testamento. O que leva Maria a entoar este hino
maravilhoso?
Depois do colóquio com Isabel, meditando tudo à luz da fé,
ela descobre que tudo o que nela acontece é obra da misericórdia de Deus ao
serviço da grande história da salvação. Então, exulta de alegria e proclama a
grandeza de Deus, da sua bondade e misericórdia que atua e se revela, não só na
sua humilde pessoa, mas também na história do seu povo de Israel e na história do
mundo, particularmente na sua predileção pelos últimos, os pobres, os pequenos,
os humildes, os humilhados e oprimidos. No Magnificat, lê toda a história da
salvação como história da misericórdia de Deus. Nele se reflete também a
dimensão política e social: pela sua misericórdia, Deus faz justiça no mundo,
derruba os poderosos e exalta os humildes.
Maria experimenta, canta e revela o amor fiel e
misericordioso de Deus “que se estende de geração em geração” até hoje, ao
nosso tempo. Portanto, também a nossa geração está incluída nesta promessa.
Como Maria e com ela, também nós podemos e devemos fazer a
experiência da misericórdia de Deus deixando-nos salvar por Cristo; cantá-la
descobrindo nos complexos caminhos e dramas do mundo a vitória da misericórdia
sobre o mal; testemunhá-la vivendo as bem-aventuranças dos misericordiosos, a
compaixão do bom samaritano, realizando as obras de misericórdia e promovendo a
solidariedade, a justiça e a paz na sociedade.
O acontecimento da visitação de Maria a Isabel com o canto do
Magnificat é uma imagem maravilhosa da Igreja do Magnificat, isto é, da
misericórdia, do louvor e da alegria.
8. A presença nas bodas de Caná (Jo 2, 1-11): “Fazei o que
Ele vos disser”
O Evangelho de S. João apresenta Maria no início do
ministério público de Jesus nas bodas de Caná da Galileia, onde também se
encontravam os discípulos. Aí Jesus realiza o seu primeiro milagre,
transformando água em vinho para que não se estragasse aquela festa. Maria tem
aqui um papel importante. É ela a notar a falta de vinho comunicando-a a Jesus:
“Não têm vinho”. Manifesta assim a sua atenção terna e concreta e também a
confiança incondicional no Filho.
Este primeiro milagre de Jesus é classificado pelo
evangelista como o “primeiro sinal” que aponta para outra realidade maior. Com
este sinal, Jesus transforma as bodas humanas na imagem das bodas da Nova
Aliança de Deus com o seu povo. Para estas bodas, Jesus convida o seu povo,
representado pelos seus discípulos e a sua mãe, e oferece o amor superabundante
de Deus simbolizado no vinho novo e abundante para viver a alegria e a festa da
comunhão.
Assim, a verdadeira finalidade do episódio de Caná é a
manifestação da infinita bondade de Deus e o despertar da fé, como se pode ver
no final da narração: “Ele manifestou a sua glória e os discípulos acreditaram
n’Ele”.
A partir daqui, podemos compreender a missão de Maria visível
neste episódio: é a mãe atenta às dificuldades e necessidades dos homens, que
apresenta ao Filho para que não falte a alegria do Evangelho, da ternura e da
misericórdia. É simultaneamente porta-voz e intercessora do povo e porta-voz da
vontade do Filho, em cujas mãos põe tudo e n’Ele confia.
Eis, a propósito, um belo comentário do então cardeal J.
Ratzinger, numa homilia em Fátima: “No texto das bodas de Caná estão também as
palavras de Maria aos serventes; depois do fiat (faça-se segundo a tua
palavra), são talvez as suas palavras mais belas. No fundo, são só uma
aplicação para nós do seu fiat: ‘Fazei o que Ele vos disser’. Para nós
significa: conformai-vos à vontade de Deus. Escutai e estai prontos ao seu
chamamento. Com estas palavras, convida os serventes e convida-nos a nós à
fé... Convidou à fé e levou ao verdadeiro milagre... Fazei o que Ele vos
disser, acreditai em Jesus Cristo, o Filho de Deus vivo... Acreditai e vereis a
medida cheia do amor superabundante de Deus que nos salva. Acreditai e
recebereis o vinho saboroso da presença de Deus na vossa vida”.
Maria aparece em Caná como mulher crente, colaboradora de
Jesus na missão da Nova Aliança, desejosa de expandir a fé, que pede a cada um
de nós a fé para aceder à alegria da comunhão com Deus e formar o novo povo que
é a Igreja.
9. O caminho de peregrinação na fé
Não vamos pensar que a fé inicial de Maria foi sempre
"de vento em popa”, sem conhecer dificuldades, perturbações ou provações.
Também Maria teve de ir assimilando pouco a pouco o Evangelho anunciado por
Jesus. O sim da anunciação foi o início de um longo itinerário para Deus, de
uma verdadeira peregrinação na fé. Teve de renovar cada dia a fé profunda com
que disse o seu primeiro sim, para o manter fiel durante toda a vida até à
entrega do Filho na cruz.
Desde cedo, a sua fé passou por situações que a puseram à
prova: o risco de perder o amor de José, seu noivo, por aceitar a maternidade
divina, o nascimento do menino num pobre estábulo em Belém, a fuga para o
Egito, a apresentação do menino no templo quando ouviu a desconcertante
profecia de Simeão: “uma espada de dor atravessará o teu coração”, a perda de
Jesus no templo. Maria vive a “noite da fé” que atinge o seu auge aos pés da
cruz unida a Cristo sofredor no seu despojamento total. Mediante a fé, a mãe
participa na morte do Filho com fidelidade, de modo bem diferente dos
apóstolos, que fugiram.
Como é que Maria pôde viver este caminho ao lado do Filho com
uma fé sólida, mesmo na obscuridade – quando Deus parece ausente ou em silêncio
–, sem compreender tudo e sem perder a plena confiança em Deus? O evangelista
S. Lucas revela-nos a atitude de fundo com que ela enfrentava estes acontecimentos:
“Maria guardava todas estas coisas meditando-as no seu coração” (Lc 2, 19); e,
“Mas eles [os pais] não compreenderam as palavras que lhes disse... Sua mãe
guardava todas estas coisas no seu coração” (Lc 2, 51). Isto significa que
Maria entrava em diálogo íntimo com a Palavra de Deus anunciada: recordava e
relacionava no seu coração os acontecimentos e a Palavra, discernindo desta
forma os desígnios de Deus. Assim adquire a compreensão que só a fé lhe pode
garantir e permitir “esperar contra toda a esperança”.
Neste contexto, compreendemos as referências elogiosas de
Jesus a sua mãe como ouvinte da Palavra, que a torna membro da grande família
espiritual que é a Igreja: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que escutam a
Palavra de Deus e a cumprem” (Lc 8, 18-21) e “Felizes antes aqueles que escutam
a Palavra de Deus e a guardam” (Lc 11, 27-28).
10. A Mãe junto à Cruz (Jo 19, 25-27): “Eis o teu Filho”
Vamos agora até junto à cruz de Jesus e deixemos que seja o
Papa Francisco a introduzir-nos no último dom do testamento de Jesus.
“Na cruz, quando Cristo suportava em sua carne o dramático
encontro entre o pecado do mundo e a misericórdia divina, pôde ver a seus pés a
presença consoladora da Mãe e do amigo. Naquele momento crucial, antes de
declarar consumada a obra que o Pai Lhe havia confiado, Jesus disse a Maria:
«Mulher, eis o teu filho! ». E, logo a seguir, disse ao amigo bem-amado: «Eis a
tua mãe! » (Jo 19, 26-27). Estas palavras de Jesus, no limiar da morte, não
exprimem primariamente uma terna preocupação por sua Mãe; mas são, antes, uma
fórmula de revelação que manifesta o mistério de uma missão salvífica especial.
Jesus deixava-nos a sua Mãe como nossa Mãe. E só depois de fazer isto é que
Jesus pôde sentir que «tudo se consumara» (Jo 19, 28). Ao pé da cruz, na hora
suprema da nova criação, Cristo conduz-nos a Maria; conduz-nos a Ela, porque
não quer que caminhemos sem uma mãe; e, nesta imagem materna, o povo lê todos
os mistérios do Evangelho. Não é do agrado do Senhor que falte à sua Igreja o
ícone feminino. Ela, que O gerou com tanta fé, também acompanha «o resto da sua
descendência, isto é, os que observam os mandamentos de Deus e guardam o
testemunho de Jesus» (Ap 12, 17) ” (EG 285).
Junto à cruz, Maria oferece o Filho das suas entranhas,
participa do amor misericordioso com que Ele Se oferece pela redenção de todos.
Por este motivo, a sua maternidade divina, o amor de mãe de Jesus estende-se à
Igreja e à humanidade. Ela recebe a missão de acolher o discípulo amado e todos
quantos ele representa como filhos e filhas. O discípulo amado é, na verdade, o
símbolo da comunidade cristã, de cada um de nós enquanto discípulos amados do
Senhor.
“Eis o teu filho”, “eis a tua mãe” – é dito para cada um
pessoalmente. Aqui “está plenamente indicado o motivo da dimensão mariana da
vida dos discípulos de Cristo... A maternidade de Maria que se torna herança do
homem é um dom: dom que o próprio Cristo faz a cada homem pessoalmente” (RM
45).
“Eis a tua mãe. E, desde aquela hora, o discípulo acolheu-a
como sua”. Não se trata só do acolhimento na sua casa. Segundo o texto grego
original, significa que acolheu Maria como mãe no mais íntimo da sua vida, no
seu coração, na profundidade do seu ser, entre os bens mais preciosos, em todo
o seu espaço vital.
Concluindo, Maria faz parte da Igreja e da vida de fé do
discípulo como um bem precioso e um valor vital; a Igreja e cada fiel podem
reconhecer nela a mãe que lhes foi confiada e a quem eles foram confiados. Isto
suscita em nós o amor a Maria e convida-nos a deixarmos que este amor alimente
o nosso amor a Cristo e à Igreja.
11. No cenáculo do Pentecostes (At 1, 13-15): Maria no meio
da comunidade
Os Evangelhos não referem qualquer aparição de Jesus
Ressuscitado a sua mãe. Todavia, no livro dos Atos dos Apóstolos, Maria aparece
já integrada na comunidade dos que creem no Ressuscitado.
Na véspera do Pentecostes, vemos os apóstolos reunidos no
cenáculo “assíduos e concordes na oração com algumas mulheres e com Maria, mãe
de Jesus, e com os irmãos de Jesus” (At 1, 14), para invocarem o Espírito
Santo. Também ela recebeu o Espírito do Pentecostes para realizar a sua missão
própria na Igreja, mesmo sem receber a missão apostólica.
Desde o acontecimento do Pentecostes, ela está presente no
meio da comunidade cristã enquanto mãe de Jesus, como “memória viva” e
permanente de Jesus e elo de comunhão íntima com Ele; está presente no
nascimento e crescimento da Igreja como casa de comunhão e no seu envio em
missão, em saída para o mundo e todas as periferias geográficas e existenciais.
“Juntamente com o Espírito Santo, Maria está sempre no meio
do povo. Ela é a Mãe da Igreja evangelizadora... Pedimos-lhe que nos ajude com
a sua oração materna para que a Igreja se torne uma casa para muitos, uma mãe
para todos os povos e torne possível o nascimento de um mundo novo” (EG
284.288).
12. Elevada ao Céu, sinal de esperança para o povo peregrino
A fé da Igreja crê e afirma que a Virgem Maria, uma vez
concluída a sua vida terrestre, foi elevada à glória de Deus, assumida na
plenitude da vida eterna na totalidade do seu ser corpóreo-espiritual com toda
a riqueza da sua humanidade, feminilidade e maternidade.
Alguém escreveu que o mistério da assunção gloriosa de Maria
ao Céu é mais para ser cantado do que explicado. É a festa do coroamento da
existência da Mãe de Jesus. O nosso povo compreende esta verdade com a intuição
da fé e do coração. Aquela que foi a primeira e única a receber Jesus, o Filho
de Deus, no seu coração e no seu seio, que O seguiu fielmente toda a vida, é
também a primeira dos redimidos a ser recebida pelo Filho ressuscitado, a
participar da plenitude da vida eterna, que nós chamamos Céu, Paraíso, Casa do
Pai. Assim, Maria indica-nos, de modo luminoso, a beleza da meta definitiva da
nossa peregrinação no mundo.
Além disso, continua a
exercer a sua maternidade espiritual e universal de modo novo. Unida totalmente
a Deus no Céu, ela não se afasta de nós, não vai para uma galáxia ou zona
distante e desconhecida do nosso universo. “O Céu de Deus não pertence à
geografia cósmica (o céu das estrelas), mas à geografia do coração” (J.
Ratzinger), isto é, do amor eterno e santo. Assim, Maria elevada ao Céu
participa do amor universal de Deus e da sua presença conosco. Está muito
próxima de nós, de cada um de nós, na comunhão dos santos. Tem um coração
grande como o amor de mãe que partilha do amor universal de Deus. Pode estar
perto, escutar, ajudar, interceder, acompanhar e advertir como mãe do bom
conselho.
Como a mulher do Apocalipse (Ap 12, 1-10), não nos deixa sós,
mas assiste-nos na constante luta com as forças destruidoras do mal,
simbolizadas na figura do dragão sanguinário, no combate entre o bem e o mal, a
vida e a morte, a graça de Deus e o pecado. “De facto, depois de elevada aos
Céus, não abandonou esta missão salutar... Com o seu amor de mãe, cuida dos
irmãos do seu Filho que ainda peregrinam e se debatem entre perigos e
angústias, até que sejam conduzidos à Pátria feliz. Por isso, a santíssima
Virgem é invocada na Igreja com os títulos de advogada, auxiliadora, amparo e
medianeira” (LG 62).
Nesta missão, a Mãe celeste pode visitar-nos com o seu amor
materno, para trazer esperança e consolação ao povo peregrino no meio das lutas
e tribulações da história.
FÁTIMA HOJE: A ATUALIDADE DA MENSAGEM
Vamos agora meditar e aprofundar a singular mensagem que
Nossa Senhora glorificada, “a toda vestida de branco”, nas Aparições de 1917,
na Cova da Iria, confiou aos três Pastorinhos que foram objeto, porta-voz e
testemunhas da sua ternura e complacência maternal. A autenticidade e verdade das
Aparições e da mensagem foram reconhecidas pela Igreja, pertencendo ao âmbito
das chamadas revelações privadas.
13. Uma revelação privada
As revelações privadas não são um novo evangelho; mas são um
eco, um apelo ou imperativo do Evangelho numa determinada situação histórica de
gravidade para a Igreja e o mundo. Conforme ensina o Catecismo da Igreja
Católica, elas nada acrescentam de novo ao essencial da fé, “o seu papel não é
‘aperfeiçoar’ ou ‘completar’ a Revelação definitiva de Cristo, mas ajudar a vivê-la
mais plenamente numa determinada época histórica” (CIC 67).
Com frequência, em relação às aparições encontra-se uma
curiosidade doentia que se fixa em pormenores periféricos sem captar o
fundamental. No caso de Fátima, muitos olham-na como um conjunto de práticas ou
devoções avulsas, fragmentadas, dispersas e até rotineiras, sem ligação ao
núcleo da mensagem e sem o respetivo enquadramento. Os órgãos de comunicação
social, quando focam só as promessas, o consumo das velas e as penitências de
joelhos, deixam na sombra o essencial e o mais belo do tesouro e da experiência
espiritual que ali se encontra.
14. A mais profética das aparições modernas: um olhar sobre o
futuro do mundo
Podemos e devemos, pois, interrogar-nos: o que há de
particular na mensagem de Fátima que justifique a atenção que suscita, a
atração que exerce, o amplo eco que alcançou? Num primeiro momento e à primeira
vista, parece que nada tem de especial, porque é uma mensagem confiada a
crianças pobres e analfabetas, que falam de uma novidade imprevista que as excede,
mas as atrai e seduz; uma mensagem adaptada à sua mentalidade, ao seu mundo
simples de há muitos anos, expressada em conceitos que se referem à linguagem
da época e nos podem parecer ultrapassados. Poderá dizer ainda algo ao mundo de
hoje?
Precisamente por isso, impressiona-nos e surpreende-nos que o
contexto e o conteúdo da mensagem não se confinam a um caminho de fé pessoal
dos pequenos videntes, a uma circunstância particular do seu país ou a uma
determinada verdade da fé em questão. O seu horizonte é de alcance histórico e
mundial: refere-se às duas guerras mundiais e aos sofrimentos da humanidade com
a morte e o extermínio de milhões de inocentes; aos regimes ateus e
totalitários com um programa de negação de Deus e de perseguições à Igreja com
a menção dos mártires do século XX (hoje contabilizados em 26.685.000 pelo
historiador Andrea Riccardi) e do próprio Papa; e à grande causa da paz entre
os povos. Tudo isto acompanhado pela promessa da misericórdia de Deus que se inclina
sobre este mundo ameaçado e por um chamamento muito forte aos homens a não se
resignarem à banalidade e à fatalidade do mal: é possível vencê-lo a partir da
conversão do coração a Deus, da oração e da reparação do pecado do mundo.
É dentro deste contexto trágico que a Virgem Maria surge, em
Fátima, como uma “visão de paz” e uma luz de esperança para a Igreja e para o
mundo. Talvez só hoje, à distância de quase um século, estejamos em condições
de compreender com maior profundidade a verdade e todo o alcance desta
mensagem.
Nesta perspectiva, Fátima apresenta-se como um sinal de Deus
para a nossa geração, uma palavra profética para o nosso tempo, uma intervenção
divina na história da humanidade mediante o rosto materno de Maria, uma luz
sobre a história. Quando, porém, Maria realiza uma missão recebida de Deus,
nunca é por algo sem importância ou por questões marginais; trata-se sempre do
grave problema do destino do mundo e da salvação dos homens.
Por tudo isto, o Papa S. João Paulo II ousou afirmar que
“entre os sinais dos tempos do século XX sobressai Fátima, que nos ajuda a ver
a mão de Deus, Guia providente e Pai paciente e compassivo também deste século
XX”. Nesta sequência, o Papa Bento XVI não hesitou em apresentar Fátima como “a
mais profética das aparições modernas”.
15. A mensagem para hoje
Não é este o momento de apresentar a história e o texto das
Aparições. Num futuro próximo sairá a lume um opúsculo sobre esse assunto.
Agora, interessa-nos sublinhar alguns aspetos de caráter permanente e a sua
aplicação ao nosso tempo, acentuando a dimensão evangelizadora da mensagem,
segundo a orientação que o Papa Bento XVI deu aos bispos portugueses na visita
ad limina em 2007: “Apraz-me pensar em Fátima como escola de fé tendo a Virgem
Maria por Mestra; lá ela ergueu a sua cátedra para ensinar aos pequenos
videntes e depois às multidões as verdades eternas e a arte de orar, crer e
amar”.
Nesta perspectiva, as práticas devocionais características de
Fátima encontram assim um enquadramento teológico-espiritual e um fio lógico
unificador.
16. O primado de Deus e do seu Amor Trinitário
Nas Aparições, torna-se evidente que o verdadeiro e principal
protagonista de todo o acontecimento é Deus pessoal, no seu Amor Trinitário. É
d’Ele toda a iniciativa. De facto, no início, no meio e no fim das aparições do
Anjo e de Nossa Senhora estão precisamente a visão e a experiência mística do
mistério do Amor Trinitário em que os Pastorinhos foram iniciados,
introduzidos, envolvidos, encantados e seduzidos pela sua beleza. Expressa-o
maravilhosamente o pequeno Francisco, no seu espírito contemplativo: “Gostei
muito de ver o Anjo, mas gostei ainda mais de Nossa Senhora. Do que gostei mais
foi de ver Nosso Senhor naquela luz que Nossa Senhora nos meteu no peito. Gosto
tanto de Deus! ” (M 141). Lúcia, por sua vez, exclama: “É esta graça de Deus
que atua em nós, levando-nos onde Deus nos quer conduzir, e vamos contentes,
como crianças abandonadas nos braços do Pai” (CVM 38).
Esta experiência suscitou nos videntes, como resposta, a
atitude de adoração onde germinam as virtudes da fé, da esperança e da
caridade, como se pode ver nas orações simples que aprenderam do Anjo: “Meu
Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos...”; “Santíssima Trindade Pai, Filho,
Espírito Santo adoro-Vos profundamente...”. A experiência do Amor Trinitário
acompanhou sempre os Pastorinhos e deve ser também a marca da espiritualidade
cristã de Fátima.
A meu ver, este é um dos aspetos essenciais da mensagem:
reconduzir a adoração de Deus para o centro da vida da Igreja e do mundo,
frente ao ambiente de ateísmo militante e persecutório que procurava erradicar
Deus das consciências e da sociedade.
Hoje, porventura, o risco não é tanto o ateísmo militante,
mas sim a indiferença religiosa, a indiferença e a insensibilidade em relação a
Deus, o viver “como se Deus não existisse” e ainda o neopaganismo em que o
lugar de Deus é ocupado pelos novos ídolos.
Por conseguinte, descobrir o gosto de Deus e da sua beleza,
do seu Amor Trinitário, a dimensão contemplativa e mística da fé, neste
ambiente de “eclipse cultural de Deus”, de ocultamento do sentido e da presença
de Deus nas consciências, na sociedade e na cultura, constitui o grande desafio
para o futuro da fé cristã e para a espiritualidade e a pastoral de Fátima. Esta
é a grande prioridade da evangelização: tornar Deus presente, próximo e íntimo
e abrir aos homens o acesso à experiência amorosa de Deus. Uma das tarefas mais
urgentes da Igreja hoje é despertar o gosto de Deus, o gosto e a alegria de
crer. “O cristão de amanhã ou será místico ou não será cristão” (K. Rahner); só
a experiência da presença íntima de Deus poderá manter viva a fé.
17. Anúncio de graça e misericórdia
Na sequência da manifestação do Amor Trinitário de Deus
situa-se o anúncio de graça e misericórdia, de esperança e de conforto para a
Igreja perseguida e para a humanidade caída no inferno do ódio entre os povos,
das guerras mundiais e dos genocídios. Nas aparições do Anjo, este diz aos
videntes: “Os corações de Jesus e de Maria têm sobre vós desígnios de
misericórdia” (M 170). E a visão deslumbrante com que se encerram as aparições
à vidente Lúcia, em Tuy, termina com estas palavras em letras grandes: “Graça e
Misericórdia! ” (M 195). Graça do amor misericordioso é a síntese da mensagem
de Fátima, em que Deus revela e oferece a sua misericórdia como conforto e
força capaz de pôr um limite ao poder devastador do mal. Há esperança de
redenção!
Por sua vez, esta mensagem vem acompanhada pelo convite
urgente à conversão e à reparação. É um chamamento à cooperação nos desígnios
de misericórdia, a não nos resignarmos à fatalidade e à banalidade do mal. Não
podemos passar indiferentes ao mal nem tentar iludi-lo. Trata-se, pois, de uma
mensagem de resistência e de superação: é possível vencer o mal, os poderes
infernais ou diabólicos, a partir da conversão do coração a Deus e da
reparação; entendida esta como um chamamento à corresponsabilidade no Amor
Trinitário pela salvação do mundo, a reparar com Cristo o pecado do mundo e os
seus estragos, particularmente pela Eucaristia, sacramento por excelência do
amor reparador de Cristo.
Fátima ajuda-nos, assim, a ler a história com a consciência
de que é possível mudá-la a partir de dentro, com a força que vem do alto. Este
é um dos aspetos mais impressionantes da mensagem de Fátima: o chamar à
solidariedade salvífica. Deus pede-nos uma resposta e vem ao nosso encontro por
Maria, para procurar colaboradores em favor dos outros, porque se sentem
envolvidos no drama da humanidade e das vítimas. Assim foi pedido aos videntes:
“Quereis oferecer-vos a Deus (…) em ato de reparação pelos pecados com que Ele
é ofendido? ”. Bento XVI afirmou em Fátima, atualizando a mensagem: “Então eram
só três, cujo exemplo de vida irradiou e se multiplicou em grupos sem conta por
toda a superfície da terra que se votaram à causa da solidariedade fraterna”.
Neste contexto, têm lugar e sentido a oração, a Comunhão reparadora, a
reparação pela penitência até ao sacrifício como resposta à interpelação de
Maria.
18. Centralidade eucarística
Quer na oração do Anjo na terceira aparição, quer sobretudo
na visão de Lúcia com que encerram as aparições, o mistério da misericórdia de
Deus-Amor Trinitário está centrado na oblação de Cristo na Cruz, donde flui no
sinal do sangue para o altar da Eucaristia. Um mistério que a iconografia do
Ocidente traduz de forma sintética na representação do “Trono da Graça”: O Pai
que entrega o Filho para ser solidário com os homens e sofre na dor do seu
amor; o Filho que se entrega a Si próprio pela multidão dos irmãos; o Espírito
de Amor que sustenta o Filho na sua entrega de amor.
É este mistério de amor misericordioso que celebramos na
Eucaristia e que está no centro da espiritualidade de Fátima, seja na adoração
eucarística seja na Comunhão reparadora, para, na união com Cristo, vivermos a
orientação da nossa vida e renovar o sim da oferta de nós mesmos a favor dos
outros.
Nesta perspectiva, recomendamos a participação no Congresso
Eucarístico Nacional em Fátima, de 10 a 12 de junho de 2016, com o tema
“Eucaristia, fonte de misericórdia”.
19. A oração e o empenho pela paz
O apelo à oração e ao empenho pela paz é uma constante na
mensagem de Fátima. Nossa Senhora pede a recitação do Rosário pela paz no
mundo, anuncia para breve o fim da Primeira Grande Guerra, adverte para a
possível catástrofe de uma nova guerra mundial se os homens não se converterem
e pede a consagração do mundo e da Rússia feita pelo Santo Padre em comunhão
com os bispos (isto é, que envolva toda a Igreja) para que haja um tempo de
paz. Pode resumir-se a mensagem na declaração de Maria na terceira aparição:
“Se fizerem o que eu vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz” (M
121).
Na mensagem sobressai o contraste entre “a grande” história
das nações e seus conflitos, a história dos grandes e poderosos, com a sua
própria cronologia e geografia do poder, e a “pequena” história dos pequenos,
pobres, humildes e sem poder. Estes últimos são chamados a intervir a favor da
paz com outra força, outro poder, outros meios aparentemente inúteis ou ineficazes,
tais como a oração, a conversão e a reparação.
Também hoje, a mensagem é portadora de um apelo suplicante à
nossa geração, para que reconheça a tarefa desta hora histórica, a fim de que a
humanidade não caia no abismo nem sucumba ao poder do mal. Está também presente
o apelo ao confronto dos homens com a dimensão sobrenatural da paz de Deus.
Fátima será sempre um símbolo vivo desta dimensão sobrenatural do homem, como
fonte da verdadeira paz: “foi a dor dos filhos que fez gritar o coração da
Mãe”, advertiu S. João Paulo II em Fátima. Rezar o Rosário pela paz é
contemplar a história do mundo inteiro do ponto de vista de Deus (como história
de salvação) e alegrar-se por ver Cristo “fazer novas todas as coisas”.
20. A compaixão na relação com o sofrimento e com quem sofre
Nossa Senhora foi mestra dos Pastorinhos na compaixão: com
ela, eles aprenderam a “abrir o coração à universalidade do amor” (Bento XVI),
a participar no amor compassivo de Jesus pela humanidade ferida, sobretudo
pelos sofredores e pelos pobres pecadores que somos todos nós. Os pequenos
videntes apreenderam que Deus, na sua misericórdia e ternura, não é apático nem
indiferente aos homens, mas partilha o seu sofrimento e a sua suportação.
Este aspeto é uma marca da espiritualidade de Fátima como
imagem da Igreja chamada “a cuidar dos feridos e a curar as feridas”, levando
aos que sofrem a luz e o calor do evangelho do sofrimento (fazer bem a quem
sofre e fazer bem com o próprio sofrimento) e do evangelho da compaixão de quem
sofre com o outro e pelos outros, compartilhando o sofrimento e oferecendo
assim a consolação do amor solidário de Deus.
21. O desafio ao testemunho da fé e da santidade
A terceira parte do segredo de Fátima põe-nos perante o
testemunho da multidão imensa de mártires cristãos do século XX por causa da
fé, da justiça e da caridade. Hoje, assistimos a um martírio semelhante em
várias partes do mundo. Embora no mundo ocidental não haja uma perseguição
violenta aos cristãos, somos chamados sobretudo a dar testemunho num ambiente
de indiferença, de hostilidade e de desprezo por parte de certa cultura
dominante, que procura apagar a memória viva do Cristianismo e extirpar as suas
raízes. “Se Cristo voltasse hoje, os homens não o poriam na cruz, mas
expô-lo-iam ao ridículo”, afirmou S. Kierkegaard. Ser testemunhas corajosas,
convictas e alegres do Evangelho, da fé e da santidade neste novo mundo plural
e pluralista é um dos desafios mais importantes. “A Igreja cresce, não por
proselitismo, mas por atração” (Bento XVI).
Por sua vez, o testemunho de santidade quer dos mártires quer
dos Pastorinhos convida toda a Igreja a dar-se na “medida alta da vida cristã”.
É deveras impressionante e atual o testemunho dos Videntes: na sua simplicidade
de vida, mostram-nos como é possível a santidade no quotidiano pela oferta de
si mesmos, com a preocupação de corresponder ao amor de Deus, de não O
desgostar, de rezar pela conversão de todos ao seu grande amor e testemunhar a
compaixão com os que sofrem.
Na verdade, os Pastorinhos são modelo de fé e de santidade,
cada qual com o seu caráter, o seu carisma, a sua vocação. Na sua pessoa e na
sua história podemos contemplar a experiência da beleza de Deus, do seu amor e
da sua misericórdia, que os envolveu e transformou as suas vidas. Todos
procuraram responder aos apelos da mensagem da Senhora, mas cada um de modo
específico: Francisco, com o espírito mais contemplativo da presença gozosa de
Deus, que ele quer comunicar aos outros; Jacinta, com o espírito mais
compassivo com os que sofrem e os pecadores; Lúcia, com o espírito mais
comprometido na missão de testemunhar e transmitir a mensagem de misericórdia e
a devoção ao Coração Imaculado de Maria.
Com a capacidade de atrair multidões, Fátima é chamada a
difundir e promover a “santidade de povo”, ou santidade popular, acessível a
todos, através da experiência íntima da santidade de Deus-Amor, do apelo à
conversão permanente individual e da Igreja “sempre necessitada de purificação”
e da vivência da comunhão dos santos.
22. A esperança na vida eterna: a boa nova do fim
É uma nota dominante da mensagem, tanto a nível individual
como coletivo. Na misericórdia de Deus há uma dimensão muito profunda e bela da
eternidade, como sublinha o Papa Francisco: “O facto de repetir continuamente
‘eterna é a sua misericórdia’, como faz o salmo 136, parece querer romper o
círculo do espaço e do tempo para inserir tudo no mistério eterno do amor. É
como se quisesse dizer que o homem, não só na história, mas também na
eternidade, estará sempre sob o olhar misericordioso do Pai” (MV 7).
O horizonte do coroamento final da vida faz-nos tomar
consciência de que não termina tudo aqui, não se reduz tudo à figura deste
mundo. O próprio Jesus nos diz que estamos com Ele desde agora e também na
eternidade, porque Ele foi preparar para nós um lugar na casa do Pai.
Na mensagem de Fátima, os acontecimentos da humanidade e da
Igreja são submetidos ao critério escatológico, ou do fim último, para iluminar
e julgar o presente e para nos indicar o caminho reto do futuro. A advertência
grave do “juízo” que paira sobre o mundo como possibilidade de autodestruição
infernal, isto é, a possibilidade de tudo acabar reduzido a cinzas, é anunciada
juntamente com a esperança teologal da vitória sobre o mal a partir da
conversão dos corações a Deus.
Por outro lado, os Pastorinhos compreenderam e viveram a
beleza do Céu que o Anjo e Nossa Senhora lhes fizeram saborear como plenitude
do amor de Deus que os fascinou. Como contraste, é apresentada a situação
infernal (que não se trata de uma fotografia do Inferno) de quem se encontra à
margem do amor de Deus e no vazio de justiça e de salvação. Assim nos é dado
ver a seriedade do amor e a responsabilidade da nossa liberdade nos dramas da
história.
23. A devoção ao Coração Imaculado de Maria, ícone de Misericórdia
Uma das heranças espirituais mais preciosas das Aparições de
Fátima é a devoção ao Coração Imaculado de Maria, Mãe de Misericórdia. Conserva
uma estimulante atualidade enquanto portadora de uma espiritualidade mariana de
caráter teocêntrico (centrado em Deus) e mistagógico (que nos conduz para o seu
mistério). Constitui um centro polarizador e de irradiação da mensagem. Maria
apresenta-se como Mãe da misericórdia, Mãe espiritual da Igreja e da
humanidade. Através do símbolo do seu Coração Imaculado, ela exerce a missão de
mistagoga dos Videntes e do Povo de Deus, iniciando-os no mistério do Amor
Trinitário, da sua misericórdia e compaixão, para os tornar missionários da
misericórdia divina, levando-a a todas as periferias.
Antes de mais, fala aos filhos usando a linguagem do coração.
“O coração fala ao coração”, dizia o beato J. H. Newman. O mistério do amor
entra pelo coração. É uma linguagem que toda a gente entende. Deste modo, “veio
do Céu a nossa bendita Mãe, oferecendo-se para transplantar no coração de
quantos se lhe entregam o Amor de Deus que arde no seu” (Bento XVI).
Assim, Maria dá-nos também olhos e coração para contemplar a
ternura e a misericórdia de Deus, oferecendo o amparo maternal com que
confortou a Lúcia: “Não desanimes. Eu nunca te deixarei. O meu Imaculado
Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus” (M 175).
Os Pastorinhos contemplaram ainda o Coração Imaculado ligado
à Trindade, como contraponto da visão do Inferno, e também o “coração cravado
de espinhos”, símbolo da mãe compassiva, ícone da misericórdia divina, que
sente a dor dos filhos e vai em auxílio daqueles que correm o perigo de cair no
abismo. A fortaleza da mãe comunica a fortaleza de Deus aos débeis corações
humanos.
Ao mesmo tempo, deixa a promessa consoladora: “Por fim, o meu
Imaculado Coração triunfará... e será concedido ao mundo algum tempo de paz” (M
177)! Para além do Inferno, e não obstante o inferno do mal, há esperança de
salvação! Bento XVI, na sua peregrinação a Fátima, interpretou-a assim: “No
final, o Senhor é mais forte do que o mal e Nossa Senhora é para nós a garantia
visível, materna, da bondade de Deus que é sempre a última palavra na
história”. Trata-se da promessa do triunfo do amor nos dramas da história e de
suscitar a confiança na misericórdia divina, que é mais poderosa do que o poder
do pecado do mundo.
Neste contexto se situa a devoção dos primeiros cinco sábados
do mês. É um meio pedagógico que concentra e alimenta os outros elementos da
devoção ao Imaculado Coração de Maria com a riqueza e beleza de conteúdos
acabados de expor: a conversão, o sacramento da Penitência e da Reconciliação,
a Comunhão eucarística, a oração do Rosário e a meditação dos mistérios de
Cristo, a misericórdia e a reparação, a intenção da paz no mundo e na Igreja.
24. A consagração ao Coração Imaculado de Maria
No contexto do triunfo da misericórdia insere-se, ainda, a
consagração do mundo e da Rússia ao Coração Imaculado de Maria, com a promessa
da conversão da Rússia e da paz no mundo. Foi um pedido insistente de Nossa
Senhora para ser realizado pelo Santo Padre em comunhão colegial com todos os
bispos do mundo. Este ato solene é, a meu ver, simultaneamente, expressão do
amor materno de Maria ao mundo sofredor e do envolvimento solidário de toda a Igreja,
confiando à sua intercessão misericordiosa a causa da paz no mundo e da
fidelidade da Igreja.
O ato de entrega e consagração, tal como fora pedido, só foi
plenamente realizado pelo Papa João Paulo II, em 25 de março de 1984, diante da
imagem de Nossa Senhora de Fátima da Capelinha das Aparições levada
propositadamente ao Vaticano. O significado deste ato foi expresso pelo próprio
Papa como “profissão de fé no infinito poder salvífico da redenção... mediante
o Coração Imaculado da Mãe de Deus que, de modo muito particular, experimentou
este poder salvífico”.
S. João Paulo II relacionou a subsequente queda dos regimes
ateus e o fim das perseguições religiosas com a promessa de Nossa Senhora.
Também o Sínodo dos Bispos, em 1991, declarou a propósito da queda repentina
desses regimes: “Até muitos não crentes viram nestes acontecimentos quase um
milagre”!
A entrega ou consagração a Maria, de modo individual ou
comunitário, é uma forma de espiritualidade particularmente difundida entre os
fiéis católicos. Consiste na entrega total a Deus com as nossa alegrias e dores,
com Maria, por Maria e como Maria, para fazer frutificar a consagração batismal
na vida e na vocação de cada um.
25. O mistério da Igreja na mensagem de Fátima
Ao longo da reflexão, aludi a alguns aspetos do mistério da
Igreja que, implícita ou explicitamente, são evocados na mensagem de Fátima.
Procuro agora sistematizá-los brevemente, para uma visão de conjunto: a Igreja
da oração e da adoração de Deus trinitário, hoje e sempre tão importante, como
afirma o cardeal W. Kasper: “O futuro da Igreja será determinado pelos orantes
e a Igreja do futuro será sobretudo uma Igreja de orantes”; Igreja mãe de
misericórdia e de compaixão com todos os que sofrem à semelhança do Coração
Imaculado de Maria, ícone de misericórdia; Igreja chamada à santidade correspondendo
ao apelo de conversão a exemplo dos Pastorinhos e sempre necessitada de
purificação e renovação permanentes; Igreja testemunhante da fé, justiça,
caridade e paz a exemplo da multidão de mártires; Igreja comunhão na
catolicidade da fé à volta do “bispo vestido de branco” – o Santo Padre, a quem
são feitas várias referências na mensagem – e, em união com ele, na oração de
consagração do mundo e da Rússia ao Coração Imaculado de Maria; Igreja
peregrina a caminho da Pátria Celeste, no meio de tribulações e perseguições,
sob o amparo e a proteção materna de Maria.
LINHAS DE ORIENTAÇÃO PASTORAL
Após toda a reflexão anterior, quero agora apresentar algumas
linhas-chave de orientação pastoral para o próximo biénio.
26. O nosso amor filial a Maria é uma expansão do amor de
Cristo
A verdadeira devoção a Nossa Senhora nasceu no seio da
comunidade cristã como consequência da crescente compreensão do mistério da
Encarnação do Filho de Deus. Já aflora na saudação de Isabel a Maria: “Bendita
és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre... Feliz de ti que
acreditaste, porque se vai cumprir tudo o que te foi dito da parte do Senhor”
(Lc 1, 42.45).
O Papa Paulo VI explicita esta realidade de uma maneira
simples e profunda: “Cristo veio a nós por Maria, recebemo-lo dela; se queremos,
pois, ser verdadeiros cristãos, devemos reconhecer a relação essencial e vital
que une Nossa Senhora a Jesus e que nos abre o caminho que a Ele conduz. Nem
podemos desviar o olhar daquela que é a criatura mais semelhante a Cristo e é
“a figura” da Igreja e é, como afirma o Concílio, ‘o modelo perfeito na fé e na
caridade’ (LG 53.61.65) ” (Discurso ao Congresso Mariológico de 1975).
É nesta base doutrinal que se fundamentam as nossas relações
de amor, de louvor e de veneração a Maria, às quais chamamos devoção, piedade
ou culto mariano. Podemos dizer que a nossa devoção a Maria é a expansão do
amor a Cristo que no-la deixou como mãe, mãe dos discípulos, mãe da Igreja. A
nossa relação com ela reveste a forma de um amor filial que nos ajuda a viver
unidos a Cristo pela fé e o mistério da nossa filiação divina.
A oração do Rosário, com a meditação dos mistérios da vida de
Cristo e da Virgem Maria, permite-nos exprimir em simultâneo o amor a Cristo e
a Maria, a relação com ambos e ainda orientar tudo para a glória da Santíssima
Trindade. Façamos, pelo menos algumas vezes, pessoalmente, em família e em
grupo, a experiência desta oração de forma meditada e contemplativa, saboreando
no coração as palavras que a boca pronuncia.
27. Critérios para uma autêntica devoção mariana
Maria é pura referência a Cristo e à Trindade Santíssima; é
mãe e mestra no seguimento de Jesus, na adoração de Deus e no amor aos irmãos.
Fora deste enquadramento não há verdadeira devoção mariana correspondente à
verdade do Evangelho.
Deste modo, “a piedade para com a Mãe de Cristo torna-se para
a fiel ocasião de crescimento na graça divina, que é a finalidade última de
toda a ação pastoral. De facto, é impossível honrar a ‘Cheia de Graça’ sem
honrar em si mesmos o estado de graça, isto é, a amizade com Deus, a comunhão
com Ele e a inabitação do Espírito Santo” (MC 57).
Vale, assim, para toda a devoção mariana o critério
apresentado pelo Papa João Paulo II em relação à devoção do Rosário: Contemplar
Cristo com Maria em cinco momentos: recordar Cristo com Maria; aprender Cristo
de Maria; configurar-se a Cristo com Maria; suplicar a Cristo com Maria e
anunciar Cristo com Maria (Cf. RVM 12-17).
O Curso de Mariologia e o Curso sobre a Mensagem de Fátima no
Centro de Cultura e Formação Cristã (CCFC), os encontros vicariais e os retiros
da Quaresma ajudarão a uma visão renovada da figura de Maria e de uma autêntica
devoção e espiritualidade marianas.
28. Maria, figura e modelo da Igreja
Como figura e modelo da Igreja, de que ela é “membro eminente
e exemplar”, Maria leva-nos a descobrir a vida interior da Igreja, a sua alma
mística, a vivência e o testemunho da vida em Cristo, e estimula-nos a viver
nesta família de Deus para nos deixarmos transformar pelo Espírito Santo.
Assim, podemos ver Maria como espelho e paradigma da vocação
e missão da Igreja nas múltiplas relações que a unem a Maria: modelo da Igreja
discípula crente, que acolhe com fé e põe em prática a Palavra de Deus; da
Igreja mãe, cuja missão é tornar Cristo vivo nos corações dos fiéis; da Igreja
virgem na fidelidade de todo o coração ao Senhor; da Igreja orante no louvor e
ação de graças como Maria no Magnificat e no cenáculo; da Igreja profeta
anunciadora da Palavra e da justiça; da Igreja oferente, que faz da própria
vida e missão uma entrega a Deus e caminho de santificação como Maria na
apresentação de Jesus no templo e junto à cruz; da Igreja peregrina no meio das
tribulações a caminho da Pátria da bem-aventurança; da Igreja do Espírito do
Pentecostes, animada, unida e guiada por Ele na sua comunhão e missão; da
Igreja missionária, em saída, como na Visitação a Isabel, para levar a ternura
e a misericórdia de Deus a todos, sobretudo aos pobres e aos aflitos lembrados
no Magnificat (Cf. MC 16-22).
Esta dimensão mariana é o mais forte antídoto contra uma
concepção de Igreja puramente organizativa e burocrática. Em consequência, os
fiéis e os ministros da Igreja, pela sua relação pessoal e identificação com
Maria, viverão a sua relação e zelo apostólico e pastoral com amor e espírito
de serviço e não de domínio, atentos à situação das pessoas para ter
iniciativas e intervenções oportunas e criativas.
29. A Igreja, Mãe misericordiosa
Neste Ano Santo da Misericórdia, a Igreja deve empenhar-se
com toda a dedicação a tornar visível o rosto misericordioso de Deus. Neste
campo tem uma tríplice missão: anunciar, celebrar e praticar a misericórdia na
própria práxis pastorais.
Antes de mais, há de apresentar-se como mãe misericordiosa,
com a casa sempre aberta aos seus filhos, Igreja de portas abertas e não com os
ferrolhos fechados. Só uma Igreja maternalmente misericordiosa curará as
feridas e libertará os homens da solidão e do desespero, porque todos saberão
que podem bater à sua porta sem medo de serem rejeitados ou excluídos.
Neste sentido, o Santo Padre pede que as comunidades cristãs
sejam um “oásis de misericórdia”, isto é, “o lugar da misericórdia gratuita,
onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem
segundo a vida boa do Evangelho” (EG 114).
Celebraremos a abertura do Ano Santo da Misericórdia no
Santuário de Fátima e na Catedral de Leiria, nos dias 8 e 13 de dezembro,
respetivamente. Haverá um guião para acompanhar o rito de atravessar a Porta
Santa ou Porta da Misericórdia, para que seja feito com fé e como sinal de
conversão e de encontro com a misericórdia de Deus.
30. As obras de misericórdia e a sua relevância social e
cultural
A misericórdia é um dom divino, mas também tarefa de todos os
cristãos, chamados a praticá-la e testemunhá-la em palavras, atitudes e obras.
A tradição cristã, fazendo eco do Evangelho de Mateus (Mt 25, 34-36),
especificou esta tarefa nas chamadas obras de misericórdia: sete corporais e
sete espirituais. Como muitos porventura já as esqueceram, ou nunca as
aprenderam, citamo-las aqui na sua formulação tradicional.
As obras de misericórdia corporais são: dar de comer a quem
tem fome; dar de beber a quem tem sede; vestir os nus; dar pousada aos
peregrinos; assistir os enfermos; visitar os presos e enterrar os mortos. E as
espirituais são: dar bom conselho; ensinar os ignorantes; corrigir os que
erram; consolar os tristes; perdoar as injúrias; suportar com paciência os
defeitos do nosso próximo; rezar a Deus pelos vivos e defuntos.
Aplicadas ao contexto e às situações de hoje, elas adquirem
particular relevância social e cultural. Trata-se de prestar atenção e dar
resposta às necessidades materiais e espirituais de quem precisa. Para além da
ajuda material, também é necessário que nos tratemos misericordiosamente uns
aos outros.
Podemos dizer, com o cardeal W. Kasper, que as obras de
misericórdia respondem a quatro dimensões da pobreza individual ou estrutural.
Em primeiro lugar, a pobreza física ou económica que afeta milhares de pessoas
que não têm o necessário para a alimentação, que carecem de roupa ou de teto e
abrigo, os desempregados, os refugiados à busca de acolhimento, os portadores
de deficiência ou doentes para quem não bastam as técnicas médicas, os presos
que necessitam de humanização das suas condições de vida. A segunda forma é a
pobreza cultural que se manifesta no analfabetismo, na falta de oportunidades
de formação, na exclusão social e cultural. Acresce a pobreza relacional, isto
é, a pobreza de comunicação de quem está na solidão, no isolamento,
particularmente os sós e os idosos, os que sofrem o luto. Por fim, também
existe a pobreza espiritual, que hoje representa um grave problema: o vazio
interior, a confusão moral e espiritual, a perda de orientação na vida, a
violência e a vingança como lei do mais forte, a perda da esperança... neste
sentido, as obras de misericórdia espirituais adquirem nova atualidade e
urgência.
O Bispo realizará um sinal eclesial das obras de misericórdia
com a visita aos presos, aos utentes do Centro de Acolhimento de Leiria e da
comunidade “Vida e Paz” em Fátima.
Este biénio é um tempo propício para a organização do serviço
de apoio aos doentes e do acolhimento aos mais fragilizados nas comunidades.
Sem a misericórdia, a nossa sociedade corre o risco de se
transformar num deserto interior, árido, frio, inóspito, inumano.
31. A Penitência: o sacramento da misericórdia
A mensagem de Fátima contém um apelo forte e urgente à
penitência, isto é, ao arrependimento do pecado, ao perdão e à conversão,
acolhendo o dom da misericórdia. Sabemos que todos os sacramentos são sinais da
misericórdia de Deus. No entanto, a Igreja sempre reconheceu que a Penitência é
o verdadeiro sacramento da misericórdia de Deus que sempre nos perdoa e sempre
nos concede a possibilidade de um novo começo.
Hoje, este sacramento atravessa uma crise de abandono e
esquecimento nas nossas comunidades. Muitos vêm-no como um fardo, um peso, e
não como um dom do Senhor ressuscitado (Cf. Jo 20, 22ss), um sacramento onde
fazemos a experiência da compaixão de Deus de forma personalizada e imediata,
quando nos é dito em nome de Jesus: “Os teus pecados estão perdoados”. O perdão
– como diz o Papa Francisco – é uma carícia de Deus, que nos traz a liberdade
interior, a paz espiritual e a alegria. É necessário redescobrir este
sacramento, mesmo por parte dos sacerdotes. Para todo o sacerdote, além de
obrigação, é uma obra de misericórdia estar disponível para administrar o
sacramento do perdão. Neste sentido, peço que se reveja em cada paróquia e
vigararia, nas comunidades religiosas e no Santuário de Fátima o modo como se
está a proporcionar e a realizar o sacramento da Penitência, procurando
melhorar a sua oferta e a celebração pessoal e comunitária, tanto nos tempos
como nas formas.
Recomendamos que em cada paróquia se realize a iniciativa “24
horas para o Senhor”, na sexta-feira e no sábado da III semana da Quaresma,
dedicadas à oração, adoração eucarística e celebração do sacramento da
Penitência ou Reconciliação.
32. Acolher Nossa Senhora peregrina e a sua mensagem
Por ocasião do Centenário das Aparições, a imagem da Virgem
Peregrina está a percorrer todas as dioceses do País, permanecendo quinze dias
em cada uma. É um belo símbolo da Mãe da Ternura e da Misericórdia que vai
visitar os filhos onde eles vivem e trabalham, para lhes levar a sua mensagem e
para lhes fazer sentir a sua proximidade e o seu conforto.
Também nós receberemos esta visita de 1 a 12 de maio de 2016.
Espero que a nossa diocese se mostre à altura e a acolha de todo o coração,
exprimindo com entusiasmo a gratidão e o louvor por ter sido agraciada com o
dom das Aparições em Fátima. Faço votos de que seja uma grande bênção para
todos e um momento forte de evangelização.
Neste sentido, deveremos ter presentes três aspetos
particulares: acolher a mãe que ajuda a contemplar a ternura e a misericórdia
de Deus; a mãe que reúne os seus filhos em família para que cada um se sinta
membro afetivo e efetivo desta família que é a Igreja; aquela mãe que convida
os filhos a serem, como ela, Igreja em saída que vai levar a ternura, o calor e
a alegria do Evangelho a todas as periferias.
Deste acolhimento faz parte também a nossa Peregrinação
Diocesana a Fátima, que em 2016 será sob o lema da misericórdia e, assim, nos
evoca que a misericórdia é uma meta a alcançar e um longo caminho a percorrer.
No segundo ano do biénio, cada vigararia fará a sua peregrinação a Fátima, para
retribuir a visita da Senhora Peregrina.
Os Pastorinhos, como primeiros testemunhas e mensageiros,
foram um exemplo concreto do acolhimento da mensagem da Senhora de Fátima. Por
isso, far-se-á a divulgação da história e da experiência espiritual dos
Pastorinhos, como incentivo à vocação universal à santidade. Em cada paróquia,
celebre-se anualmente, com especial empenho, a Festa dos Beatos Pastorinhos, a
20 de fevereiro.
Ao Movimento Diocesano da Mensagem de Fátima confiamos a
implementação deste movimento nas paróquias da Diocese, recomendando aos
párocos e aos fiéis o acolhimento, a adesão e o apoio a este válido instrumento
apostólico.
33. A presença de Nossa Senhora nas famílias, nos jovens e
nas vocações
Maria é mestra de uma fé maternal, acolhedora, terna,
misericordiosa, sensível às necessidades dos outros, samaritana e missionaria.
Esta é também a fé dos autênticos pais e educadores cristãos, que anima muitas
famílias e a pastoral juvenil e vocacional.
Maria está presente nas famílias cristãs, nos seus lares, nos
cuidados de cada dia, nas relações de amor, mesmo nas dificuldades, na saúde e
na doença. Muitas famílias conservam a sua imagem como sinal da sua presença
permanente. Este biénio pastoral é ocasião para incentivar a oração a Nossa
Senhora em família, todos os dias, como por exemplo o Terço ou algum mistério
do mesmo. Se não for possível diariamente, ao menos uma vez por semana.
A força educativa da devoção mariana é especialmente eficaz e
necessária na formação humana e cristã da juventude. O amor à Virgem une-nos
mais afetivamente a Jesus e abre sempre caminhos novos de generosidade e
fidelidade, de esforço e esperança na vida espiritual e na vida social das
relações humanas, dos ideais e dos projetos de vida. A pastoral juvenil e
vocacional encontra um forte apoio e impulso na devoção profunda a Maria, na
sua resposta pronta a Deus: “eis-me aqui a favor dos outros”. É neste ambiente
de piedade e oração que nascem as vocações de entrega e consagração.
É pedagógico apostar no serviço do voluntariado dos jovens,
tanto no campo das obras de misericórdia como no das missões. Maria ensina a
sermos discípulos missionários. A propósito, desejo lembrar que a geminação da
nossa diocese com a do Sumbe, em Angola, tendo assumido a nosso cargo a missão
do Gungo, faz dez anos em 2016. Lá no Gungo apalpa-se a grandeza das obras de
misericórdia como resposta aos vários âmbitos da pobreza. Tem sido uma epopeia
da misericórdia! Tem havido sempre jovens e adultos voluntários para uma
experiência de meio ano, de um ano e até de dois anos, e que testemunham depois
quanto foi enriquecedora. Precisamos de mais voluntários! É a hora!
34. O Santuário de Fátima, memória viva do acontecimento e da
mensagem
Na última aparição, em outubro de 1917, a Senhora do Rosário
pediu aos Pastorinhos que fosse construída uma capela em sua honra naquele
mesmo lugar.
O povo começou por construir a Capelinha das Aparições como
memorial do acontecimento fundador. Com o decorrer do tempo, sentiu-se a
necessidade de um recinto e de construir duas basílicas, não só pelo maior
afluxo de peregrinos, mas também para dar expressão a aspetos essenciais da
mensagem. “As duas basílicas refletem o significado mais profundo do que
aconteceu e continua a acontecer na Cova da Iria: num extremo, na zona mais
elevada, ergue-se a Basílica de Nossa Senhora do Rosário, que estende as
colunatas como braços abertos para acolher e abraçar os que a contemplam; estes
braços apontam em direção à Basílica da Santíssima Trindade que, do fundo e da
profundidade, sustém e dá solidez ao santuário como acontecimento: a Virgem (o
Imaculado Coração de Maria) é a garantia de uma misericórdia que brota do Amor Trinitário”
(Eloy Bueno).
O Santuário, com a sua configuração arquitetônica, as
celebrações da liturgia e a piedade popular dos peregrinos, fala de um
acontecimento que perdura, mostra que não se trata de algo meramente passado,
mas sempre atual. Nunca esquecerei a exclamação espontânea e extasiada do Papa
Bento XVI no “papamóvel”, ao contemplar a procissão de velas na noite de 12 de
maio de 2010: “Não há nada como Fátima em toda a Igreja Católica no mundo! ”.
Na sua visita, referiu-se ainda a Fátima como “o coração espiritual de
Portugal”. Também eu já tive ocasião de afirmar que “não se compreende a Igreja
em Portugal sem Fátima, nem se compreende Fátima sem a Igreja em Portugal”.
Tudo isto nos ajuda a compreender o carisma próprio do
Santuário: ser memória viva do singular acontecimento das Aparições, velar pela
mensagem atualizando-a e fazê-la chegar ao perto e ao longe, para que continue
a ser fonte de conforto, esperança e paz para as pessoas e para o mundo.
Para a celebração do Centenário, o Santuário organizou um
programa de sete anos, a fim de, em cada ano, irmos descobrindo a beleza, a
riqueza e a profundidade da mensagem. Este ano pastoral de 2015-2016 será
dedicado à esperança na plenitude da vida eterna, sob o lema bíblico “Eu vim
para que tenham vida”.
O último ano, de 2016-2017, será Ano Jubilar. O programa
centra-se na contemplação da beleza da Mãe do Redentor e Mãe da Igreja, sob o
lema “O Senhor fez em mim maravilhas”, para cantarmos as pequenas e grandes
maravilhas da graça que Deus realizou em Maria e, através dela, na história da
salvação, no acontecimento de Fátima e em tantas histórias dos peregrinos
devotos. Por isso, durante o Ano Jubilar somos convidados à participação nos
momentos celebrativos do Santuário, particularmente na peregrinação de 12 e 13
de maio, com a presença do Santo Padre.
35. Maria, modelo eclesial de evangelização
Na mensagem da Senhora em Fátima vemos refletidas as
caraterísticas da Igreja e da sua missão. Creio que podemos apresentar a
mensagem como “um modelo eclesial para a evangelização”, com as palavras do
Papa Francisco sobre Maria na Evangelii Gaudium:
“Há um estilo mariano na atividade evangelizadora da Igreja.
Porque sempre que olhamos para Maria voltamos a acreditar na força
revolucionária da ternura e do afeto. N’Ela, vemos que a humildade e a ternura
não são virtudes dos fracos, mas dos fortes, que não precisam de maltratar os
outros para se sentir importantes. Fixando-A, descobrimos que aquela que
louvava a Deus porque «derrubou os poderosos de seus tronos» e «aos ricos
despediu de mãos vazias» (Lc 1, 52.53) é a mesma que assegura o calor maternal
à nossa busca de justiça. E é a mesma também que conserva cuidadosamente «todas
estas coisas ponderando-as no seu coração» (Lc 2, 19). Maria sabe reconhecer os
vestígios do Espírito de Deus tanto nos grandes acontecimentos como naqueles
que parecem imperceptíveis. É contemplativa do mistério de Deus no mundo, na
história e na vida diária de cada um e de todos. É a mulher orante e
trabalhadora em Nazaré, mas é também nossa Senhora da prontidão, a que sai «à
pressa» (Lc 1, 39) da sua povoação para ir ajudar os outros. Esta dinâmica de
justiça e ternura, de contemplação e de caminho para os outros faz d’Ela um
modelo eclesial para a evangelização” (EG 288).
36. Entregamo-nos a Maria
Para terminar, faço-me eco de uma exortação do Papa
Francisco: “Não nos cansemos de aprender de Maria, de admirar e contemplar a
sua beleza, de deixar que ela nos conduza sempre à fonte originária e à
plenitude da infinita beleza, a de Deus, que nos foi revelada em Cristo, Filho
do Pai e Filho de Maria”.
Oh! Quanto desejo que o Centenário das Aparições seja um
verdadeiro momento de graça e de renovação espiritual para a nossa diocese, em
que a fé de Maria nos preceda e acompanhe como farol luminoso e como modelo de
maturidade cristã! Que ela nos ajude a viver sempre com maior entusiasmo,
coragem e coerência a nossa fé cristã, a nossa vocação de filhos de Deus e
membros vivos da Igreja, a nossa missão de construtores da fraternidade, da
justiça e da paz.
À sua solicitude materna confiamos o bom êxito do nosso
percurso pastoral, com a oração do Papa Francisco perante a imagem de Nossa
Senhora de Fátima, da Capelinha das Aparições, em Roma, no dia 13 de outubro de
2013.
ATO DE ENTREGA A MARIA
Bem-Aventurada Virgem de Fátima,
com renovada gratidão pela tua presença materna
unimos a nossa voz à de todas as gerações
que te proclamam bem-aventurada.
Em ti celebramos as grandes obras de Deus,
que nunca Se cansa de inclinar-Se com misericórdia
sobre a humanidade, afligida pelo mal e ferida pelo pecado,
para a curar e salvar.
Acolhe com benevolência de Mãe
o ato de entrega que hoje fazemos com confiança,
diante desta tua imagem que nos é tão querida.
Estamos certos de que cada um de nós é precioso aos teus
olhos
e que nada do que habita os nossos corações te é estranho.
Deixamo-nos alcançar pelo teu dulcíssimo olhar
e recebemos a consoladora carícia do teu sorriso.
Guarda a nossa vida entre os teus braços:
abençoa e robustece todo o desejo de bem;
vivifica e alimenta a fé;
ampara e ilumina a esperança;
suscita e anima a caridade;
guia a todos nós no caminho da santidade.
Ensina-nos o teu mesmo amor de predileção
pelos pequenos e pobres, pelos excluídos e sofredores,
pelos pecadores e os de coração transviado;
reúne a todos sob a tua proteção
e a todos entrega ao teu amado Filho,
Jesus Nosso Senhor.
Ámen!
(Papa Francisco)
Leria, 15 de setembro de 2015,
Memória de Nossa Senhora das Dores
† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima
SIGLAS DE DOCUMENTOS CITADOS
CVM – Como Vejo a Mensagem através dos tempos e dos
acontecimentos (de Irmã Lúcia de Jesus), Ed. Carmelo, Coimbra 2007.
EG – Evangelii Guadium, exortação apostólica do Papa Francisco
sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual, 24/11/2013.
LG – Lumen Gentium, constituição dogmática do Concílio
Vaticano II sobre a Igreja, 21/11/1964.
M – Memórias da Irmã Lúcia, Secretariado dos Pastorinhos,
Fátima 2010
MC – Marialis Cultus, exortação apostólica do Papa Paulo VI
para a reta ordenação e desenvolvimento do culto à Bem-Aventurada Virgem Maria,
2/2/1974.
MV – Misericordiae Vultus, bula do Papa Francisco de
proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, 11/4/2015.
RM – Remptoris Mater, carta encíclica do Papa João Paulo II
sobre a Bem-Aventurada Virgem Maria na vida da Igreja que está a
caminho,25/3/1987.
RVM – Rosarium Virginis Mariae, carta apostólica do Papa João
Paulo II sobre o Rosário, 16/10/2002.
ANEXO
Biénio Pastoral 2015-2017
Lema
Maria, Mãe de Ternura e de Misericórdia
Objetivo geral do biénio
Valorizar a figura da Virgem Maria na vida cristã à luz das
Aparições de Fátima
ANO I • 2015-2016
Lema:
“Feliz de ti que acreditaste” (Lc 1, 45)
Objetivo do ano
Pôr em relevo a figura da Virgem Maria na história da
salvação e na vida do Povo de Deus
Objetivos específicos
1. Conhecer a figura da Virgem Maria, mãe de misericórdia, na
história da salvação e na vida da Igreja
2. Desenvolver a espiritualidade mariana na vivência da fé
3. Dinamizar as experiências do culto mariano
4. Promover a vivência do Ano Santo da Misericórdia
Ações
1.1 Curso de Mariologia no CCFC
1.2 Retiro Popular na Quaresma (com inclusão da Via Matris)
1.3 Recenseamento do culto mariano na Diocese
1.4 Encontro vicarial sobre o tema do ano
1.5 Elaboração e difusão de catequeses marianas
2.1 Guião para a oração mariana em família
2.2 Proposta de oração para uso pessoal e nos grupos: ato de
entrega do Papa Francisco
2.3 Brochura com diversas versões musicadas do Magnificat,
para ser usado como cântico de pós-comunhão ao longo do ano
3.1 Celebração mais cuidada das festas marianas do calendário
litúrgico
3.2. Visita da Virgem Peregrina como momento forte de
evangelização
4.1 Abertura do Ano Santo da Misericórdia na Catedral e no
Santuário de Fátima
4.2. Guião para a celebração da passagem da Porta Santa
4.3 Visita do Bispo aos presos, aos utentes do Centro de
Acolhimento de Leiria e da comunidade “Vida e Paz” em Fátima
4.4 “24 horas para o Senhor”, na sexta-feira e no sábado da
III semana da Quaresma, dedicadas à oração, adoração eucarística e celebração
do sacramento da Reconciliação
4.5 Peregrinação Diocesana a Fátima como “Peregrinação da
Misericórdia”
4.6 Guião para uma celebração da reconciliação em família
4.7. Desdobrável sobre o sacramento da Reconciliação
4.8 Participação no Congresso Eucarístico Nacional sobre o
tema “Eucaristia, fonte de misericórdia”, em Fátima, de 10 a 12 de junho de
2016
ANO II • 2016-2017
Lema
“O meu Coração Imaculado conduzir-vos-á até Deus”
Objetivo do ano
Mostrar o relevo das Aparições de Fátima para a vida cristã e
eclesial
Objetivos específicos
1. Celebrar o Centenário das Aparições de Nossa Senhora em
Fátima
2. Aprofundar os diversos aspetos da Mensagem de Fátima
3. Difundir formas de piedade inspiradas na Mensagem de
Fátima
4. Sublinhar a devoção aos Pastorinhos como modelo de
santidade
Ações
1.1 Participação nos momentos celebrativos no Santuário de
Fátima
1.2 Difusão do Movimento da Mensagem de Fátima nas paróquias
1.3 Peregrinações vicariais a Fátima
1.4 Incentivar a participação na Peregrinação das Crianças
1.5 Encerramento do Ano Santo da Misericórdia
2.1 Curso sobre a Mensagem de Fátima no CCFC
2.2 Publicação e difusão de brochura com o texto das
Aparições
2.3 Retiro popular na Quaresma
3.1 Oração Jubilar de Fátima para uso pessoal e nos grupos
3.2 Devoção ao Coração Imaculado de Maria através da vivência
dos Primeiros Sábados
3.3 Oração do Terço em família
3.4 Materiais para a Adoração Eucarística
3.5. Guião para o Mês de Maria
3.6 Organização nas comunidades do serviço de apoio aos
doentes e do acolhimento aos mais fragilizados
4.1 Celebração paroquial da Festa dos Beatos Pastorinhos
4.2 Difusão da experiência espiritual dos Pastorinhos como
incentivo à vocação universal à santidade
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Nieustanne potrzeby??? Nieustająca Pomoc!!!
Witamy u Mamy!!!