O
princípio mariano na Igreja
Dom Murilo S.R. Krieger, scj, é Arcebispo de São Salvador
da Bahia e Primaz do Brasil e Vice-Presidente da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBb).
O filósofo e teólogo suíço Hans Urs
von Balthazar (1905 - 1988) procurou responder à pergunta: quais são as
dimensões fundamentais da Igreja? Isto é, qual é o seu perfil, o que pertence à
sua natureza? Para apresentar as intuições de sua reflexão, o sacerdote
irlandês Brendan Leahy escreveu recentemente o livro: O princípio mariano na Igreja, traduzido para o português e
publicado, em 2005, pela Cidade Nova.
Princípios
constitutivos da Igreja. Estudando a vida das primeiras comunidades cristãs, von
Balthazar identificou quatro princípios que constituem a estrutura fundamental
da Igreja: o princípio petrino, o princípio paulino, o princípio joanino e o
princípio jacobita. O teólogo suíço concluiu, porém, que a Igreja tem também um
outro princípio, que abraça esses quatro: o princípio mariano. Segundo ele,
esse princípio diz respeito àquela dimensão da Igreja que continua e ressoa o
sim de Maria a Deus. “É um sim repetido por todo o povo de Deus – leigos e
clero – e ecoa por meio deles. (...) No princípio da aventura evangélica, ele
depara-se com a Mulher do Evangelho na pequena casa de Nazaré, onde todo o
cristianismo encontra, por assim dizer, sua centelha inspiradora”. É preciso,
pois, olhar para essa mulher, verdadeiro modelo para todos.
2.1 -
Princípio petrino: é o mais conhecido; lembra a figura de Pedro. Referir-se
a Pedro é direcionar o pensamento para a proclamação do querigma e sua
realização concreta na vida cristã. “A continuação da missão de Pedro tem a ver
com o Credo pregado de maneira ordinária em todo o mundo mediante o ministério
pastoral. É a dimensão hierárquica e institucional da Igreja, que representa a
dimensão “objetiva” de santidade”.
2.2 - Princípio paulino: “é ligado ao caráter missionário de Paulo, o apóstolo
dos gentios, aquele que se tornou cristão por pura graça, sem méritos e obras,
rompendo irremediavelmente com o passado. Podemos ver a missão de Paulo
continuar na irrupção vinda do alto, imprevista e sempre nova, de novos
carismas na história da Igreja. É um princípio profético e celeste, no qual
estão implicados os grandes carismas missionários, as grandes conversões, as
grandes visões com que a Igreja é brindada pelas palavras ditadas pelo
Espírito”.
2.3 - Princípio joanino: “João é o discípulo predileto, o evangelista do
Mandamento Novo”. A missão de João é uma missão de unidade. “Essa dimensão da
Igreja é encarnada por todos aqueles que vivem os conselhos evangélicos e cuja
missão é o amor contemplativo: eles comunicam a mensagem de que, no amor, tudo
é possível”.
2.4 - Princípio jacobita: é baseado em Tiago, que parece ter ocupado o
lugar de Pedro quando este deixou Jerusalém (At 12,17). “No Concílio dos
Apóstolos ele conduziu a moção decisiva para a reconciliação entre cristãos,
judeus e gentios (At 15,13-21). Ele representa, sobretudo, a continuidade entre
a Antiga e a Nova Aliança, representa a Tradição, a legitimidade da letra da
Lei contra um espiritualismo puro. É aquela dimensão eclesial que afirma o
sentido histórico das coisas, a continuidade, a Tradição, o direito canônico.
Esse princípio é personificado naquelas pessoas cuja missão é recordar a
necessidade de estarmos ancorados na primeira experiência e a importância de
retornarmos às origens da nossa história cristã para reencontrar nova luz para
continuar”.
Cada um desses princípios
permanece na Igreja; não se trata de princípios isolados, pois cada um deles
participa de todos os outros.
2.5 - Princípio mariano: Maria personifica a Igreja. Ela “é a mãe que
gerou o Verbo, de quem a Igreja nasce, e é esposa que coopera com Cristo no
evento da Redenção. Maria é, portanto, aquele princípio da Igreja que abraça
tudo”. Nesse princípio, todos os demais perfis da Igreja encontram sua
unidade.
Se cada um dos quatro primeiros princípios
fosse absoluto, seria uma perda para a Igreja. Dominando o elemento jacobita,
baseado na importância da lei e da Tradição, acabaríamos fundamentalistas,
apegando-nos a formas obsoletas; se o mesmo acontecesse com a dimensão petrina,
a Igreja passaria a ser vista como uma mera organização; caso prevalecesse a
característica paulina da liberdade do Espírito, seria considerado importante
aquele que fosse popular e que estivesse na moda; o domínio do princípio joanino
daria como consequência a busca do amor como “experiência” e uma atenção
unilateral questões sociais..
Existe uma “tensão” permanente na
vida da Igreja, pois esses quatro princípios precisam coexistir. Mas é
justamente essa a missão de Maria na Igreja: uni-los. É em Maria que se
articulam e se unem os diversos princípios da vida da Igreja, pois foi nela que
Deus voltou seu olhar para o mundo e se revelou como Trindade.
3. Os mistérios de Maria e sua espiritualidade. - Aprender de Maria
Se o princípio mariano é
aquele que une os demais, o que podemos aprender com Maria? Cada momento de sua
vida nos dá uma lição:
(1º momento) A Anunciação nos
mostra o quanto a sua vida estava centrada no SENHOR: Eis aqui a serva do
Senhor (Lc 1,38);
(2º) Sua gravidez nos
testemunha o quanto ela era disponível à vontade de Deus: Faça-se em mim
segundo a tua palavra (Lc 1,38);
(3º) A visita a Isabel e o
canto do Magnificat destacam sua prontidão diante dos sinais de Deus: ela foi
às pressas às montanhas;
(4º) O nascimento de Jesus
revela sua capacidade de repartir o dom recebido: deu seu Filho aos pastores e
aos magos;
(5º) A apresentação de Jesus
no Templo faz sobressair a fidelidade de Maria às determinações da Palavra do
Senhor;
(6º). Na fuga para o Egito ela
nos ensina o papel do sofrimento na obra da Salvação;
(7º) O reencontro de Jesus no
Templo prova o senso de responsabilidade de Maria: Teu pai e eu te
procurávamos, ansiosos! (Lc 3,48);
(8º). As bodas de Caná
destacam sua atenção ao outro;
(9º) A participação de Maria
na vida de Jesus nos ensina seu amor pelo Reino;
(10º) A bênção que Maria
recebeu por estar entre aqueles que "ouvem a palavra de Deus e a põem em
prática" (Lc 11,28) nos recorda as bênçãos que o Senhor quer nos dar;
(11º) A presença de Maria aos
pés da cruz, onde esteve de pé, é um lembrete sobre a necessidade de
completarmos em nossa carne o que falta à paixão de Cristo;
(12º) A oração de Maria no
Cenáculo, na novena de Pentecostes, faz sobressair sua abertura ao novo.
4. A espiritualidade das espiritualidades. Para von Balthasar, a
“espiritualidade das espiritualidades“ na Igreja é mariana – entendendo-se
espiritualidade cristã como um modo de viver. “A vocação de cada cristão e da
Igreja inteira é – por assim dizer – “viver” Maria em sua transparência para
com Cristo, a ponto de se poder afirmar: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo
que vive em mim” (Gl 2,20). A espiritualidade mariana tem a ver com o deixar
que Cristo se forme em nós, por obra do Espírito Santo. A espiritualidade
pessoal de Maria está centrada no seu sim transparente a Deus, e é esse o
elemento comum a todos na Igreja, antes mesmo da diferenciação das espiritualidades
específicas”. Isso implica três dimensões fundamentais:
4.1 - Abertura ao mistério do amor de Deus: isto é, disponibilidade
diante de qualquer coisa que Deus queira. “Esse é o ponto fundamental da
espiritualidade cristã – saber e crer que Deus nos escolheu e amou, e que nós
podemos escolhê-lo respondendo ao seu chamado. É o nosso sim a Deus dia após
dia”, ficando feliz, como Maria, com tudo o que o Senhor dispor para nós.
4.2 - Resposta à Palavra: “a espiritualidade de Maria está centrada na
Palavra que se faz carne, que se faz Eucaristia, que se faz Igreja... Viver
essa espiritualidade significa colocar em prática a Palavra de Deus, a ponto de
participar em nossa vida cotidiana da kénosis de Cristo na cruz, construindo
assim a comunhão da Igreja”.
4.3 - Uma existência materna e “cristófora”: Maria é a Theotókos. Ela
carrega Deus. Podemos descrever sua vida como “uma existência cristófora”. Cada
pessoa que recebeu o batismo foi escolhida e chamada para deixar que Cristo
seja gerado em si e para levar Cristo Ressuscitado aos outros. Viver essa
“existência cristófora” implica viver alguns elementos-chave da espiritualidade
de Maria: a escuta do Espírito Santo, o amor ao próximo, à Eucaristia e à Igreja.
5. Mãe da Igreja. A vida de Maria é feita de oração e contemplação.
Sua contemplação nada tem de fuga ou de um fechar-se em si mesma, mas é uma
atitude de vida essencialmente social, porque seus frutos revertem em benefício
para toda a Igreja. Compreende-se, pois, o título que a Mãe de Jesus recebeu do
Papa Paulo VI, no final da 3ª Sessão do Concílio Vaticano II (21.11.1964): Mãe
da Igreja: “Para glória da Virgem e para nosso conforto, proclamamos Maria
Santíssima «Mãe da Igreja», isto é, de todo o Povo de Deus, tanto dos fiéis
como dos pastores, que lhe chamam Mãe amorosíssima; e queremos que com este
título suavíssimo seja a Virgem doravante honrada e invocada por todo o povo
cristão. Trata-se, veneráveis irmãos, de um título que não é novo para a piedade
dos cristãos; porque antes é justamente com este nome de Mãe, de preferência a
qualquer outro, que os fiéis e a Igreja toda costumam dirigir-se a Maria. Em
verdade, ele pertence à genuína substância da devoção a Maria, achando sua
justificação na própria dignidade da Mãe do Verbo Encarnado.
6. A “noite escura” da humanidade. Von Balthasar, constatando o
humanismo ateu do mundo contemporâneo, retoma um tema de S. João da Cruz – o da
“noite escura”- e conclui: estamos vivendo numa época caracterizada pela “noite
escura coletiva”, na qual predomina o racionalismo, isto é, uma cultura
envolvida pelo materialismo, pela busca do fazer e do ter. A humanidade precisa
se debruçar, novamente, sobre o mistério dos desígnios de Deus. Maria, “a
humanidade realizada e o cumprimento da Criação”; a primeira discípula, a mãe
de Cristo Crucificado e Ressuscitado; Maria, a mãe da Igreja, pode, como
ninguém, inspirar a humanidade nesse momento, pois ela dá testemunho do primado
do amor – amor recebido, correspondido e repartido.
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Nieustanne potrzeby??? Nieustająca Pomoc!!!
Witamy u Mamy!!!