Mariologia social – O significado da
Virgem para a Sociedade, por Clodovis M. Boff,
Paulus, São Paulo 2006, 1 vol. br., 160 x 230m, 728 p. Autor: Ney Brasil
Pereira
Mais
uma vez, confirma-se o velho aforisma dos mariólogos: De Maria nunquam satis. Confesso
que abri, entre curioso e desconfiado, este grosso volume de Frei Clodovis
Boff, lançado há poucos meses. Curioso, para ver o que poderia haver de novo em
mais um livro, aliás volumoso, sobre Maria. E desconfiado quanto à novidade do
próprio título: “Mariologia Social”. Seria apenas um jogo de marketing? Um
título chamativo para ajudar nas vendas?
O
próprio autor,
na breve apresentação de pouco mais de duas páginas, explica que
o livro “representa a primeira articulação teórica” da “nova” disciplina desse
nome (p. 11) que ele vem lecionando na Pontifícia Faculdade Marianum de Roma
desde 1993, sendo fruto das pesquisas realizadas desde então, portanto, desde
os últimos dez anos. Na nota de rodapé n. 1 da p. 18 ele explica a gênese dessa
disciplina, criada por sugestão do prior-geral da Ordem dos Servos de Maria,
como reformulação de um curso de especialização já existente e que, aberto pelo
Pe. Calabuig, tinha por título: “Maria na missão social da Igreja”. O convite
ao autor fora feito “pela afinidade intelectual que ele demonstrara pela
temática, graças a seus trabalhos sobre teologia da libertação” (ibid.). O
curso, iniciado em 1993, passou a chamar-se formalmente “Mariologia Social” a
partir do ano acadêmico de 2002-2003.
O
livro divide-se em seis partes. Apesar de volumoso, a apresentação metodológica
dos temas e o próprio estilo do autor, claro, de fácil leitura, além da
excelente apresentação gráfica, estimula o leitor. A primeira parte,
introdutória, aborda em dois capítulos “a problemática da mariologia social”
(cap. 1º) e seus “princípios metodológicos” (cap. 2º). Pergunta francamente se
a mariologia social não é “um desenvolvimento forçado” (p. 20) e, entre outros
itens, defende a “necessidade de criar uma mariologia social” (p. 28) e explica
seu “lugar” “dentro da mariologia em geral” (p. 29). Quanto aos “princípios
epistemológicos” da disciplina, justifica seu “princípio axial”, a saber, o
“método do confronto” Maria-sociedade, lembrando que esse é o método “vivido
existencialmente por Maria de Nazaré” e “recomendado e praticado pelo Vaticano
II” (p. 38-39). Entre os “princípios operantes” desse método, o autor
recomenda, entre outros: “manter o primado epistemológico da Palavra diante da
realidade social” (p. 48); “interpelar a Palavra da fé a partir da realidade
social” (p. 49); “conhecer a realidade social em sua autonomia relativa”
(p.51); “adotar a ótica do pobre como perspectiva preferencial” (p. 51); e
“finalizar a reflexão no compromisso sociolibertador” (p. 52).
A
segunda parte, em três capítulos e um excurso, aborda a “mariologia social no
Magistério”. O título poderia ter precisado que se trata do Magistério recente,
porque, com exceção da Marialis Cultus de Paulo VI, cujo n. 37 é considerado o
“texto maior da sociomariologia” (p. 62), todos os documentos citados são de
João Paulo II e do seu pontificado: encíclicas, cartas, homilias. Além do
magistério papal, grande realce é dado à “mariologia social no documento de
Puebla” (p. 99-107). O “excurso” conclusivo desta segunda parte, significativamente
intitulado “os Papas e a Virgem Maria em luta contra os males da sociedade
moderna”, aborda o Rosário, a consagração dos povos à Virgem Maria, e o título
de “Nossa Senhora Rainha”, sempre do ponto de vista da repercussão social
dessas devoções (p. 111-125).
A
terceira parte, intitulada “a figura de Maria na história social dos povos”,
estende-se por seis capítulos, de grande interesse pela informação aí reunida.
O autor começa abordando a “presença social de Maria no Oriente cristão”,
partindo da relevância da Theotókos em Bizâncio (p.133-142), e descrevendo sua
“presença social” na história dos povos russos (p. 144-150). Quanto à Europa
ocidental, o autor parte dos “processos sociais marcados pela piedade mariana”
(p.154-167), para, a seguir, focalizar a “Virgem Protetora” nas várias nações
(p.169-198), com destaque especial para a Virgem de Czestochowa, na Polônia
(p.199-215). O capítulo quarto volta-se para “a Virgem na história social da
América Latina e Caribe”, com detalhes interessantes, por exemplo, entre
outros, sobre a piedade mariana (!) dos conquistadores Cortés e Pizarro…
(p.220-222). O significado sociomariológico especial de Guadalupe é estudado
sob vários ângulos no capítulo quinto, intitulado “México e Nossa Senhora de
Guadalupe” (p. 237-270). O capítulo sexto propõe um “balanço da influência de
Maria na história social dos povos” (p. 271). Nas “considerações conclusivas”,
o autor parte do fato de que Maria “deixou marcas fortíssimas na história do
Ocidente” (p. 281) e propõe as razões desse influxo sociohistórico (p.
286-289), não sem deixar de apontar as “ambigüidades, às vezes chocantes, do
papel guerreiro da Virgem na história” (p. 292-294). Para o discernimento,
aponta “três critérios”: a figura neotestamentária da Virgem de Nazaré, a prova
dos frutos, e a opção preferencial pelos pobres (p. 295). As “invocações
marianas nacionais”, com algumas “observações conclusivas”, são elencadas no
Excurso II (p. 297-306).
A
quarta parte, em três capítulos e um excurso, aborda a “leitura
sociomariológica dos textos marianos do Novo Testamento”. O primeiro texto
focalizado, com toda a ênfase e amplidão possível, ao longo de 70 páginas (p.
311-380), é o Magníficat, “o canto da libertação messiânica” (Lc 1,47-55).
Sobre esse texto o autor começa lembrando o que afirma a instrução romana
Libertatis conscientia (1986) – não Libertatis conscientiae, como está na p.
311 –, a saber: “Uma teologia da liberdade e da libertação, exigida pelo nosso
tempo, deve ser um eco fiel do Magnificat de Maria, conservado na memória da
Igreja” (LC n. 98). Após uma advertência contra as “leituras redutoras”, tanto
a “espiritualística” como a “politicista” (p. 315-319), o autor apresenta o
contexto, a origem literária, o transfundo veterotestamentário, a estrutura do
texto (p. 324-332), para então propor a “leitura social” do Magnificat, que ele
divide em três partes: a pessoa de Maria, a história humana, a promessa a
Israel (p. 333-380). O segundo texto, no capítulo 2, é o do Apocalipse 12, “a
Mulher vestida de sol”, com o subtítulo “paixão e luta na história”. Após as
“premissas para entender o Apocalipse” (p. 382-387), o autor começa a tratar
dos vários elementos de Apocalipse 12, desde a “Mulher cósmica” até as
“hipóstases do Dragão” e o “destino final da Mulher” (p. 387-412). Quanto à
afirmação da p. 381, sobre o “fundo mitológico” do capítulo 12, apesar das
supostas evidências dos mitos de Leto, de Isis etc (cf. nota de rodapé 1),
estou convencido de que o verdadeiro “fundo” literário de Apocalipse 12 está em
Gênesis 3, precisamente em Gn 3,15: a Mulher e a Serpente do paraíso são agora,
no horizonte apocalíptico, a Mulher e o Dragão. Creio que esta perspectiva,
logo de início, contribuiria para a clareza das análises. Em terceiro lugar é
focalizada a perícope da Anunciação (Lc 1, 26-38), cujo aprofundamento é
centralizado no conceito de “Maria, pessoa livre”. O autor distingue “Maria,
pessoa livre-de” (p. 414-418) e “a Serva do Senhor: ser livre-para” (p.
418-425), chegando ao terceiro ponto: “Maria, pessoa plenamente integrada” (p.
425-439). Nessa altura o leitor encontrará um amplo parágrafo sobre “a Virgem
Maria e a libido sexual” (p. 433-438). O “significado social” de outras 13
perícopes marianas é abordado no excurso III (p. 441-446). Quanto a essas
perícopes, apesar de o autor não poder demorar-se em todas elas, penso que
teria valido a pena dar um tratamento diferenciado às duas perícopes joaninas
(Maria em Caná e ao pé da Cruz), pelo singular relevo mariológico – e, por que
não, sociomariológico – que elas encerram.
A
quinta parte, em quatro capítulos, aborda os “Dogmas marianos e sua relevância
sociopolítica”. Após uma introdução metodológica geral, o capítulo 1º trata da
“Maternidade divina de Maria”, começando pelo seu “contexto social originário”
e mostrando suas “linhas de aplicação” (p. 457-473). O capítulo 2º trata da
“Virgindade perpétua de Maria”, começando pelo “contexto sociocultural do dogma
da virgindade”, seguindo-se as “linhas de aplicação” (p. 475-494). O capítulo
3º expõe a “Imaculada Conceição de Maria”, começando também pelo “contexto
social polêmico da doutrina da Imaculada”, seguindo-se as “linhas de aplicação”
(p. 495-516). O capítulo 4º aborda a “Assunção de Maria ao céu em corpo e
alma”, começando igualmente pelo “contexto social do dogma” e apresentando suas
“linhas de aplicação” (p. 517-543). A conclusão geral de toda a parte dogmática
é, na expressão do autor, “o poder mobilizador da figura da Santa Virgem que
esses dogmas expressam e ao mesmo tempo fundam” (p. 543).
A
sexta e última parte, em três alentados capítulos, aborda a “Piedade popular
mariana e sua dimensão sociolibertadora”. O primeiro capítulo expõe o
“Potencial libertador da piedade popular mariana em geral” (p. 549-589),
começando com um “perfil geral da piedade popular” (p. 550-559) e desembocando
na “Metodologia pastoral em relação à piedade popular mariana”, em dois itens:
“o que não se deve fazer” e “o que se deve fazer” (p. 582-589). O segundo
capítulo estuda o “Potencial sociolibertador das aparições marianas” (p. 591-646).
Após uma Introdução geral ao tema, o autor trata da “dimensão libertadora das
aparições marianas” em dois itens: “quanto aos seus beneficiários” e “quanto à
sua mensagem”. Propõe uma “síntese final” em três teses (p. 642-645), e conclui
com “o papel indispensável da intervenção pastoral” em relação às aparições (p.
646). O capítulo final do livro é dedicado a “Fátima, a mais política das
aparições marianas”. Aproximando-nos do 90º aniversário das aparições, é de
sumo interesse o conjunto de informações e reflexões que o autor nos oferece. O
capítulo é subdividido em quatro pontos: 1) “Importância de Fátima e seu
contexto histórico-mundial” (p. 647-656); 2) “Mensagem profética de Fátima em
seu contexto histórico-mundial” (p. 656-667); 3) “O fenômeno Fátima: o uso
político de sua mensagem” (p. 667-689); 4) “Fátima e as mudanças do sistema
comunista” (p. 689-705). Última frase do autor no capítulo: “Fátima é uma fonte
que Deus abriu no mundo e continua jorrando…” (p. 705).
O
livro se encerra com as “Considerações finais” do autor, em cinco pontos,
quatro páginas, “sobre o sentido de uma mariologia social” (p. 707). Entre
outras coisas, afirma: “A influência de Maria no social é patente no regime de
Cristandade, mas, com o fim desta, tal influência de modo nenhum se exauriu. Na
figura da Mãe de Deus subsiste ainda um imenso potencial de projeção social e
política, que pode e deve se efetivar, agora no interior de um novo contexto
histórico” (p. 708). Na p. 709 fala das “escassas palavras que o Novo Testamento
dedica à sua pessoa”, as quais “não passam de frestas por onde, contudo,
irrompe uma luz tão poderosa que só tende a crescer ao longo do tempo”. A meu
ver, exatamente pela sua densidade, cuja amostra foi apresentada nas 150
páginas da terceira parte do livro, essas palavras não são tão “escassas”
assim. Ainda na p. 709, ao falar do feminino, do qual, “aos olhos da fé, Maria
é o ‘universal concreto’ ou o ‘ideal feito real’”, aventa a possibilidade de
uma “era de Maria” … Não gostei da expressão. E penso que a Serva do Senhor
também não a aprecie. De resto, subscrevo “a verdade de que a Virgem continua,
do alto do céu, a influir no cenário do mundo sublunar”, a qual “encontra seu
fundamento bíblico-teológico no fato histórico-salvífico de que Deus a quis como
parceira única de seu Filho na obra da salvação” (p. 709-710). Essa parceria,
aliás, implica o que chamamos a sua “mediação”. Como continua o autor, Maria “é
por excelência a mediadora que a própria Igreja é chamada a ser” (p. 710).
Concluindo
esta recensão, penso que estamos diante de uma obra de fôlego, nova, que abre
caminhos, oportuna, abrangente, informada e informativa, certamente uma notável
contribuição para a mariologia. O autor, entretanto, abalizado mariólogo que é,
não pretende ter esgotado o assunto. Pelo contrário, sugere e espera que
“outros levem para novas fronteiras a análise e a reflexão da mariologia
social” (p. 710), esse “novo campo teórico” do qual o seu livro
abriu excelentes perspectivas.
Komentarze
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Nieustanne potrzeby??? Nieustająca Pomoc!!!
Witamy u Mamy!!!