A
polêmica da veneração a Maria
Publicamos a segunda parte do artigo do
pastor e teólogo luterano Ervin Schmidt, que já foi membro do CONIC. O autor
apresenta, de forma suscinta e precisa, a posição dos grandes reformadores a
respeito da veneração a Maria, em relação à centralidade de Jesus. Trata-se de
um texto lúcido, que ajuda a compreender as diferenças entre a Igreja católica
e as protestantes sobre este tema.
Se identificamos uma herança comum de
católicos e protestantes a respeito de Maria na bíblia e nas confissões de fé
(concílios de Nicéia, Constantinopla e Éfeso), porque tanta dificuldade quanto
à veneração de Maria nas igrejas da Reforma? Parece-me que a questão deve ser
examinada no contexto mais amplo da invocação dos santos.
Na piedade medieval era prática corrente
depositar grande esperança no poder de intercessão dos santos. Havia os
patronos da região ou de determinada corporação. Havia santos especialistas em
livrar de perigos específicos. Entendia-se que estes santos, como
intermediários, estariam bem mais próximos dos seres humanos. Pedia-se, por
isso, a sua intervenção junto a Deus. O povo era, inclusive, encorajado neste
sentido. Era um verdadeiro florescimento dessa devoção aos santos como
intercessores e milagreiros.
Os Reformadores viam ai Deus relegado a um
plano secundário. Sabemos que Lutero, durante sua vida, estava sempre
preocupado em deixar Deus ser Deus. Todo seu trabalho era, por assim dizer, uma
interpretação do primeiro mandamento, ou seja, do Senhorio incondicional de
Deus. No Catecismo Maior, Lutero volta-se contra a prática de buscar socorro
junto aos santos. Via nisso uma usurpação do lugar que cabe exclusivamente a
Deus. Diz ele: a idolatria (...) não consiste unicamente em erigir uma figura
qualquer e se prostrar diante dela, mas sim, antes de mais nada, consiste em
distrair-se, olhando para o lado, ao invés de olhar para Deus.
Exclusivamente em Jesus Cristo, o grande
advogado, diante de quem se dobra todo joelho dos que estão nos céus, na terra
e debaixo da terra (Fp 2,10) temos quem defenda a nossa causa. Na confissão de
Augsburgo (1530) isso tudo é assim resumido: “A Escritura, porém, não ensina
que invoquemos os santos ou peçamos auxílio deles, porque nos propõe um só,
Cristo, como mediador, propiciador, sumo sacerdote e intercessor. É a ele que
se deve invocar e ele prometeu que haveria de ouvir as nossas preces. E esse
culto aprova-o muitíssimo, a saber, que seja invocado em todas as aflições. (1
Jo 2.1): 'Se alguém pecar, temos Advogado junto a Deus', etc”.
Também Zwínglio ocupa-se extensivamente com
esse assunto. Julga importante que os fieis intercedam uns pelos outros, mas
volta-se com veemência contra a invocação dos santos. Cristo é único Mediador
entre Deus e os homens. De forma alguma há necessidade da mediação dos santos.
Os méritos dos santos não nos podem ajudar. Na concepção de Zwínglio seria
ofensa a Deus pensar que ele precisa ser influenciado para que nos venha a ser
favorável. Já não nos disse Ele que é nosso Pai? Podemos buscar inspiração na
coragem e na fé dos santos, isso sim, mas não nos dirigirmos a eles em oração.
Nem Maria deseja ser invocada. Ela nos diria: Honrai a Deus como eu o honrei
com a fé, a obediência e a paciência na afeição; que minha vida vos seja uma
prova de que todos aqueles que pertencem a Deus hão de passar por duras
provações na terra. Quando não sofri eu mesma? Se, pois, a mãe do Filho
conheceu a benção do sofrimento (Hartseligkeit), deveis conhecê-la também.
Suportareis mais facilmente vossas provações quando vos lembrardes de que eu já
as venci.
Igualmente Calvino foi bastante explicito
quanto ao assunto da invocação dos santos. Para ele importa, manter-se nos
limites do que nos foi revelado. Volta-se contra todo tipo de especulação. Em
parte nenhuma a Escritura diz algo sobre a invocação dos santos. Tudo isso fica
bem explicito na Confissão Helvetica, cap. V: Ensinamos que somente o
verdadeiro Deus deve ser adorado e cultuado. Esta honra não concedemos a nenhum
outro, segundo o mandamento do Senhor: 'Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele
darás culto' (Mt 4.10). Somente Deus deve ser invocado e isso pela exclusiva
mediação de Cristo. Em todas as crises e provações de nossa vida invocamos
somente a ele e isso pela mediação de Jesus Cristo, nosso único mediador e
intercessor. Eis o que nos é claramente ordenado: 'Invoca-me no dia da
angústia: eu te livrarei, e tu me glorificarás' (Sl 50. 15). Temos uma promessa
generosíssima do Senhor, que disse: 'Se pedirdes alguma coisa ao Pai, Ele vo-la
concederá em meu nome' (Jo 16.23), e: 'Vinde a mim todos os que estais cansados
e sobrecarregados, e eu vos aliviarei' (Mt 11.28).
E mais adiante se reafirma com todo vigor que
os santos não devem ser adorados, cultuados ou invocados. Por essa razão não
adoramos, nem cultuamos nem invocamos os santos dos céus, nem outros deuses,
nem os reconhecemos como nossos intercessores ou mediadores perante o Pai que
está no céu. Deus e Cristo, o Mediador, são-nos suficientes. Nem concedemos a
outros a honra que é devida somente a Deus e ao seu Filho, porque ele
claramente disse: 'A minha glória, pois, não a darei a outrem' (Is 42.8). é
porque São Pedro disse: 'Porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome,
dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos', a não ser o nome
de Cristo (At 4.12). Nele, os que dão seu assentimento pela fé não buscam coisa
alguma além de Cristo.
Os reformadores são unânimes em se voltar
contra a invocação dos santos. Mas, é importante notar que, no fundo, ha uma
concepção positiva dos santos. Numa lindíssima interpretação do Magnificat
(1521) Lutero não se cansa de ressaltar o quanto podemos aprender em termos de
espiritualidade, da oração de Maria. Aliás, a primeira edição dessa obra no
Brasil foi promovida pela Igreja Católica Apostólica Romana. É um sinal visível
de ecumenismo.
A posição luterana conforme o artigo 21 da
Confissão de Ausburgo é de grande respeito aos santos: Do culto aos santos
ensinam que se pode lembrar a memória dos santos, a fim de lhes imitarmos a fé
e as boas obras - E ainda mais: o artigo que fala dos santos, encontra-se na
primeira parte da Confissão de Ausburgo, entre os artigos principais da fé, e
não na segunda parte que fala das divergências. E expressamente se diz: Esta é,
mais ou menos, a suma da doutrina entre nós. Pode-se ver que nela nada existe
que divirja das Escrituras, ou da Igreja Romana, até onde nos é conhecida dos
escritores. Assim sendo, julgam duramente os que requerem sejam os nossos tidos
por hereges. A dissensão toda diz respeito a alguns poucos abusos, que se
infiltraram nas igrejas sem autoridade certa. Temos ai, sem dúvida, indicadores
que nos podem ajudar no caminho do diálogo ecumênico.
Postado por Afonso Murad
Komentarze
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Nieustanne potrzeby??? Nieustająca Pomoc!!!
Witamy u Mamy!!!