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Maria no ecumenismo (1)

Maria no ecumenismo (1)

Texto de Ervino Schmidt, teólogo luterano.
Com temor e tremor aceitei o convite para fazer algumas colocações sobre dificuldades e perspectivas no diálogo entre católicos e protestantes sobre Maria. Encorajou-me o fato de já estar sendo possível sair da contraposição áspera e dura para uma reflexão franca e aberta sobre Maria.
No Brasil esta reflexão ainda não encontrou o devido espaço no mundo ecumênico. Outros temas têm merecido prioridade. A nível internacional já se tem feito alguns avanços. Menciono os congressos mariológicos; os diálogos bilaterais católico-luterano e católico-anglicano. Muito me inspirou um material de grupo de trabalho Catholica da Igreja Evangélica Luterana Unida da Alemanha e do Comitê Nacional Alemão da Federação Luterana Mundial. Este material foi editado sob o título Maria - a mãe do nosso Senhor.
Procuro abarcar as posições principais da Reforma quanto à veneração de Maria e considerar a apropriação das mesmas pelas igrejas herdeiras. Mesmo procurando abrangência confessional, minha abordagem do tema necessariamente terá um acento luterano.
Por fim me resta dizer que o texto que aqui apresento quer ser entendido como um primeiro ensaio.



MARIA NO NOVO TESTAMENTO
O Novo Testamento é um vigoroso e polifônico testemunho acerca do agir libertador de Deus em e através de Jesus Cristo, seu Filho. Trata-se do agir gracioso de Deus. Ele vem ao encontro ao ser humano sem que este o mereça. Deus torna-se bem próximo aos que dele se haviam distanciado.
Esta opção radical e irrevogável de Deus pela salvação do mundo é parte essencial na vida e proclamação de Jesus. Para Ele o reino de Deus é caracterizado pelo poder do amor. Por isso Jesus anuncia o amor como pertencente a essência de Deus e ele próprio se deixa determinar por este amor, até à morte. Assim se dá a vitória da Vida. Jesus é o lugar onde Deus se dá a conhecer. Ele próprio diz, conforme o evangelista João quem me viu, viu o Pai (Jo 14, 9). E Jesus é um dado concreto na história que pode ser datado e localizado. É neste sentido que tradição bem antiga, anterior aos evangelhos, insiste na indicação concreta quanto à humanidade de Jesus e coloca de maneira lapidar: nascido de mulher (Gl 4.4).
Ao mesmo tempo essa é a primeira menção do Novo Testamento sobre Maria. Não se destaca, porém, nenhum papel especial de Maria. O acento é cristológico. Na pessoa de Jesus de Nazaré Deus veio ao mundo, ou como o expressa o evangelista João: o verbo se fez carne e habitou entre nós e nós vimos a sua glória; glória essa que, Filho único cheio de graça e de verdade, ele tem da parte do Pai (Jo 1.14). É neste contexto da história da salvação que as afirmações feitas a respeito de Maria, recebem seu mais profundo significado.
No inicio deste maravilhoso caminho da encarnação do verbo está à disposição de Maria de ser serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc 1.38). Conforme os evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas a mãe de Jesus é Maria. Ela estava casada com um carpinteiro de nome José (Mt 13.55, Jo 6.42). O evangelista Marcos (Mc 6.3) menciona quatro irmãos de Jesus que o pai da igreja Jerônimo passa a entender como primos. Os evangelhos nos contam que a proclamação de Jesus, inicialmente, causava alguma dificuldade para a sua mãe. (Mc 3.31-35, Mt 12.46-50, Lc 8.19-21).
Nas célebres narrativas do nascimento de Jesus, Mateus e Lucas destacam a concepção através do Espírito Santo. O anjo anuncia: O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; e por isso aquele que vai nascer será santo e será chamado Filho de Deus. (Lc 1.35). A este anúncio, Maria submete-se em obediência de fé. Esta fé é então exaltada por Elisabete com as palavras: Bendita aquela que creu o que lhe foi dito da parte do Senhor se cumprirá. (Lc 1.45)
Com tudo isso, ela não se vangloria. Não se exalta a si mesma. Em vez disso ela exalta o Senhor. Ela não tem nada do que se gloriar. E aí estamos diante de uma das mais belas paginas do Novo Testamento, o Magnificat (Lc 1.46-55), Minha alma exalta o Senhor e meu espírito se encheu de júbilo por causa de Deus, meu Salvador, porque ele pôs os olhos sobre a sua humilde serva... Ela, essa humilde serva, é bem aventurada.
De fato tem razão: quem vê nela o exemplo daqueles que serão chamados de bem aventurados pelo próprio Jesus (Mt 5.3).E ainda nos vem a memória as proféticas palavras que confessam Deus como Senhor da história. Ele interveio com toda a força do seu braço; dispersou os homens de pensamento orgulhoso; precipitou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes; os famintos ele cobriu de bens e os ricos, despediu-os de mãos vazias. (Lc 1.51-53)
Maria é o próprio exemplo para esse agir de Deus. Ele inverte os valores. Exalta o que nada é. Esse é o seu jeito: ouvir o grito dos excluídos e colocar-se em defesa daqueles que nada tem a oferecer. A eles manifesta o poder do amor. Os que norteiam sua vida pelo amor ao poder, Ele despede vazios! É necessário mencionar ainda que as narrativas bíblicas do nascimento são marcadas pela pobreza da manjedoura.
Já temos aqui uma indicação de que o caminho de Jesus haveria de levá-lo à cruz. E lá estará Maria, ao pé da cruz. O evangelista João descreve a cena: Vendo assim a sua mãe, e perto dela o discípulo que ele amava, Jesus disse à sua mãe: Mulher, eis ai o teu filho. A seguir, disse ao discípulo: Eis ai tua mãe. E desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa. (Jo 19.26-27)
E, por fim, temos ainda a concepção bíblica que permite a comparação de Maria com a Igreja. Conforme o Apocalipse de João, capitulo 12, um grande sinal aparece no céu. é uma mulher vestida de sol, que gera o salvador do mundo. Nem o grande dragão, vermelho-afogueado pode impedir da vitória da salvação!
As igrejas da Reforma sempre insistiram na centralidade da Escritura. Assim elas assumem todo esse rico testemunho a respeito de Maria. Temos que reafirmar a partir daí: Maria não é só católica, ela é também evangélica.


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