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Mariologia de Mateus

Mariologia de Mateus



O cerne da mariologia de Mt é: Maria é a Mãe virginal do Messias salvador.




I. Mt 1,1-16: Genealogia de Jesus




A genealogia de Mt quer destacar os seguintes pontos:

1. Como descendente de Abraão, Jesus é membro do Povo de Israel. Mt enfatiza isso porque escreve para judeo-cristãos. Além disso, como descendente de Davi, a casa real, Jesus é herdeiro das promessas messiânicas. Essas repousavam justamente sobre a dinastia davídica (2Sm 7,16), à qual pertence José, que Mt chama "filho de Davi". Quer dizer, adotando na lei e na fé a Jesus como filho, José o introduz diretamente na linha das promessas messiânicas (Mt 1,16).
2. Digno de nota é que, em sua genealogia, Mt cita cinco mulheres. E não se trata das grandes Matriarcas, mas de mulheres vivendo em situação irregular ou excepcional: 1) Tamar (Gn 38), a falsa prostituta; 2) Betsabé, com quem Davi adulterara; 3) Rahab, a prostituta estrangeira (Js 2); 4) Rute, a estrangeira que casou com o velho Booz (Rt 4); 5) Maria, a suprema irregularidade: a virgem que se torna mãe.
Por que essa referência a cinco mulheres estranhas? É para sublinhar que a História da salvação é conduzida pela soberania de Deus e de mais ninguém. Para mostrar por que caminhos e descaminhos passou o Messias para chegar até nós e carregar assim,os pecados da história humana.
3. A grande ruptura ou "virada" da linha genealógica: é o que há de mais notável na genealogia de Mt, em seu final, quando o curso natural das gerações, chegando a José, se interrompe bruscamente, dá uma guinada para o lado da mulher e desemboca no Messias esperado. Maria é esse "ponto de inflexão" a partir do qual tem início uma outra genealogia, a da "nova humanidade", aquela gerada segundo o Espírito, fato esse que é sinalizado justamente pela virgindade da jovem galiléia.
Não se pode deixar de notar a extrema relevância, verdadeiramente "revolucionária" que tem, do ponto de vista feminista, esse modo de colocar a genealogia. A nova genealogia, inaugurando a "nova história"da graça, passa pela Mulher, não pelo Varão, que dominou e continua a dominar a cena da "velha história" do pecado.



II. Mt 1,18-25: O anúncio a José




Todo o relato se concentra, não, como parece, na questão da concepção virginal do Messias no seio de Maria, mas na ascendência davídica de Cristo através de José. Este é aqui o protagonista, não Maria como em Lucas. Por que José? Porque Mt escreve para os judeus, que esperavam, como Messias, um davídide. Mas, como se trata de uma ascendência "segundo o Espírito" e não "segundo a carne", entra também as Virgem, mas como por tabela. De todos os modos, ambos, José e Maria, estão a serviço do Redentor.




1. "Maria... fora prometida em casamento a José" (v. 18a)

Maria era "noiva" de José. Entre os hebreus, a noiva tem todos os deveres e direitos da esposa legal: fidelidade, auxílio mútuo, assunção de uma eventual gestação, etc. O noivado hebraico corresponde ao nosso casamento ratum non consumantum.



2. "Grávida por obra do ES" (v. 18b)

Trata-se de uma concepção "pneumática" ou "espiritual", isto é, realizada "por obra do ES", expressão que volta duas vezes (v. 18 e 20). O foco central não é mariológico, mas cristológico. Embora não excluída, mas antes implicada, a Virgem aí está num papel subalterno, subordinado a Cristo. Sua virgindade é uma seta que aponta para o Filho de Deus. A concepção virginal diz respeito, primeiro, a Jesus, e só depois a Maria.



3. "E lhe porás o nome de Jesus" (v. 21)

Impor o nome a um bebê é assumi-lo como filho. Isso faz de José o "verdadeiro pai" de Jesus, como afirma uma psicanalista católica:



"É preciso dizer que, freqüentemente, se faz confusão entre pai e genitor. O homem precisa de três segundos para tornar-se genitor. Ser pai é uma aventura de outra natureza. Ser pai é dar o próprio nome a seu filho, é pagar com seu trabalho a subsistência dessa criança, é educá-la, instruí-la, chamá-la para mais vida... É muito diferente de ser genitor. Melhor, talvez, se o pai é genitor, mas você sabe, só existem pais adotivos. Um pai deve sempre adotar seu filho. Alguns adotam sua criança ao nascer, outros alguns dias depois, mesmo algumas semanas mais tarde; outros irão adotá-la quando falar, etc. Só existem pais adotivos" (Françoise Dolto).




4. "Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho..." (v. 23)

A virgindade de Maria é um "dado" mateano seguríssimo, em base ao qual a teologia ulterior desenvolveu seu significado teológico mais amplo. Trata-se de uma virgindade real e integral: do corpo, dos sentidos e da mente, e não apenas simbólica. É referida em Mt 1 nada menos que quatro vezes: nos vv. 18, 20, 23 e 25.



5. "E despertando do sono, José... recebeu em sua casa sua esposa" (v. 24)

Doravante, José convive com Maria como sua verdadeira e legítima esposa (Mt 1,25). Como José é "pai verdadeiro" (embora ou, melhor, porque adotivo) de Jesus, assim ele é também o "verdadeiro esposo" da Virgem. E esta é chamada por Mt de "esposa de José" (Mt 1,20.24).
De fato, o que faz a essência do casamento é o consensus, ou seja, o amor, e não o concubitus, isto é, a relação sexual. Em outras palavras, o que faz o casamento é sobretudo a "união dos corações" e não apenas a "união dos corpos" (cf. JP II, Redemptoris custos 7,5). Ora, no casamento de José e Maria, havia "união conjugal", embora não "união sexual", o que é bem outra coisa. Agora, que José tenha sido um verdadeiro companheiro responsável e amoroso da Virgem mostram-no claramente os episódios da infância de Jesus, onde aparece unidíssimo à esposa.



6. "E não a conheceu até que ela deu à luz..."

A expressão "não a conheceu até" é um semitismo que vale somente para o passado, no sentido de "sem que ele a conhecesse...", como faz a TEB. Isso fica claro, por ex., na afirmação: "Micol... não teve (mais) filhos até o dia de sua morte" (2Sm 6,23; cf. também 1Sm 15,35: "Samuel não voltou a ver Saul até o dia de sua morte").



III. Mt 2,10-20: Visita dos magos e fuga para o Egito




O episódio dos magos não é propriamente história, mas midrash, isto é, uma história construída para fins de edificação. Isso, contudo, não impede que o midrash tenha arrancado de um núcleo histórico, proveniente de reminiscências familiares. Podemos destacar três linhas de sentido mariológico na estória/história dos magos:




1. "Eis que magos, vindos do Oriente, chegaram a Jerusalém"

Maria aqui aparece como a nova Jerusalém e o novo Templo. O relato dos magos evoca Is 60, que descreve Jerusalém toda iluminada, feita centro do mundo e para a qual se dirigem os Povos da terra com seus reis, trazendo suas riquezas (é justamente a 1ª leitura da missa romana da Epifania). À essa luz, a Virgem-mãe emerge como a nova Capital sagrada. É para Ela que se dirigem os Povos para encontrar o Rei salvador (o que, aliás, se verificará com os futuros santuários marianos). Onde encontrar Jesus? Em Maria.
É Ela agora a sede ou o trono do novo Rei. Ela é o novo templo, onde habita Deus e onde é adorado. A Igreja do Oriente sublinhou muito este sentido. Por ex. numa igreja de Istambul se vê Maria fazendo dos braços o trono de Jesus e levando esta escrita: "O lugar do Sem-lugar".



2. "Entrando na casa, viram o Menino com Maria, sua mãe."

Maria aqui emerge como a rainha-mãe Essa é uma "cena de corte", como viram os grandes artistas que a retrataram com "pompa e circunstância". Aí Jesus-menino aparece como o "rei dos judeus" e também rei das nações. E é a esse título que recebe também as homenagens reais: a prostração e a entrega de dons, caracterizados pela excelência.
Aí a Virgem? Ela, sustentando o filho real em seus braços, faz o papel de Rainha-mãe, de Regente. O Povo o sabe, ele que coroa a Virgem ao termo do mês de Maria. A figura da ghebirah, rainha-mãe, no mundo bíblico, é muito importante, mais do que a da rainha-esposa. Tomemos, por ex., o caso da rainha Betsabéia: como rainha-esposa, é ela que "se inclina e se prostra diante do rei" (1Rs 1,16), Davi, seu esposo; já como rainha-mãe, é o rei Salomão, seu filho, que "se prostra diante dela" (1Rs 1,19).



3. "O menino e sua mãe"


Maria, enfim, se mostra companheira inseparável do Filho. É notável o fato de que Mt use nada menos que quatro vezes esta expressão (Mt 2,11.13.14.20). Isso denota a "comunhão de destino" de Maria com o de seu filho. Ela aparece como "companheira do Redentor" (leitmotif de Lumen Gentium 57-58). Quer dizer: Maria participa da carreira humana e salvífica do Messias numa "extraordinária proximidade". 

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