Mariologia de Marcos
I. Mc 3,20-21: Os parentes de Jesus vêm para detê-lo
1. "Os seus" (par'autoû), sabendo disso..."
Trata-se dos
familiares, dos parentes de Jesus. É a família tradicional, a "família
clânica". Naquele tempo, os laços de sangue eram da maior importância (cf.
o interesse pelas genealogias). Os "seus" estão chocados, pois Jesus
está "criando caso", está "dando o que falar". O
"mistério" de Jesus é sentido como abalo, como escândalo.
Maria não é
citada nominalmente, mas devia estar no meio da "parentada" de Jesus,
como se entrevê na seqüência do relato (3,31). Isso não deixa de ser chocante,
tanto assim que Mt e Lc omitem esse relato, porque acham-no comprometedor.
2. "...vieram para detê-lo"
O pequeno
grupo dos parentes de Jesus parte de Nazaré para Cafarnaum. São cerca de 35 km , ou seja, um dia de
viagem. A mãe está no meio, sabe lá com que sentimentos.
Vieram, não
propriamente para "prender" Jesus, mas para "detê-lo", isto
é, apoderar-se dele sem violência, como convém com "gente da
família". Para que isso? Para convencê-lo a voltar à razão. As familiares
de Jesus querem "chamá-lo às falas" e, quem sabe, levá-lo de volta
para casa.
3. "Está fora de si" (exéstee)"
Não é no
sentido clínico: "ficou louco". Também não é no sentido da possessão,
como dirão em seguida os escribas: "É possuído por Beelzebul" (v.
22). É mais no sentido largo e analógico, como quando se diz, para falar de um
comportamento estranho, anormal, beirando o escândalo: "Ficou louco,
pirou" (cf. Paulo 2Co 5,13).
II. Mc 3,31-35: "Quem é minha mãe...?"
O texto está certamente em conexão com o anterior, sendo sua continuação.
Mostra-o a presença de dois procedimentos estilísticos de Marcos: 1) ir do
indeterminado ao determinado: passa dos "seus" em geral para
"sua mãe e seus irmãos" em particular; 2) a técnica do encaixe.
Assim, o episódio da hemorroíssa (5,25-34) vem inserido no relato da
ressurreição da filha de Jairo (5,21-43). Aqui, é a história dos escribas
acusando Jesus que é encaixada.
1. "Chegaram sua mãe e seus irmãos"
Mc agora não
diz que vieram para "detê-lo", mas apenas para "chamá-lo",
"procurá-lo" (vv. 31s). Nomeando a Mãe, parece que Mc entende
distingui-la dos "seus" em geral.
Se for mesmo
assim (mas não é seguro), a impressão anti-mariana, que o relato anterior
poderia suscitar, se atenua, abrindo caminho para sua eliminação completa, como
farão depois os outros evangelistas (cf. Mt 12,46-50; Lc 8,20).
2. "Quem é minha mãe...?"
Com essa
pergunta Jesus quebra a expectativa corrente e introduz um elemento de supresa
("técnica da desfamiliarização"). Aí a família de sangue fica
radicalmente "relativizada", embora não de todo supressa.
De resto, o
corte afetivo e espiritual - sempre dolorido - em relação à família é um tema
transversal em Mc (cf. Mc 1,16-20; 13,12). Essa exigência vale também para a
Mãe do Mestre. Ela também, enquanto mãe, não tem para Cristo maior importância,
vista na ordem em que Ele
se põe: a do Reino, a da vontade soberana de Deus. Só se pode imaginar o
sentimento de Maria ao ver-se tratada assim, em sua humaníssima preocupação
pelo filho.
3. "Os que estavam sentados ao seu redor... os que fazem a vontade de
Deus".
Jesus aponta
agora para sua "nova família", comunidade que já é embrião da Igreja:
são os que "fazem a vontade de Deus". Tal é a revelação/revolução de
Jesus. Ele rompe os laços de sangue, tão importantes na época. Daí também o
choque e o escândalo que tal proposta podia suscitar, principalmente entre os
"seus".
E Maria em
tudo isso? Mc nada diz da reação pessoal de Maria. Não diz, sequer
alusivamente, que tenha "assacado" o golpe do escândalo do Filho, mas
nem que tenha sucumbido ao mesmo. Saberemos apenas por Lucas que ela ficava
"meditando" (2,51) e que cria, apesar de tudo (1,38.45). Quanto a Mc,
nada (ou quase) suspeita da grandeza espiritual que se esconde nessa Mulher
única.
III. Mc 6,1-6: Jesus em Nazaré: "Não é este o filho de Maria?"
1. "Um profeta só é desprezado em sua pátria, entre os seus parentes e em
sua casa"
Será mesmo
que Jesus, como profeta, é "desprezado" também "em sua
casa", por sua própria mãe? De novo, Mc se mostra a-mariológico: não diz
nem sim nem não.
2. "Não é ele o filho de Maria?"
É a primeira
vez que Maria é nomeada. É referida ao lado dos outros membros do clã,
identificada com sua parentela, "perdida" nela, sem nenhum destaque
particular.
Que
significa "filho de Maria" (6,3)? É uma referência estranha e única
no NT. No resto dos evangelhos se dirá "filho de José" (ben ou bar
José: Lc 3,23; 4,22; Jo 1,45; 6,42). Mt inclusive vai atenuar com a fórmula
indireta: "Não é Maria sua mãe?" (Mt 13,55).
Por que se
cita aqui a mãe e não o pai, como era costume?
1. Seria uma
expressão de difamação. É como dizer que Jesus é "filho bastardo",
"filho ilegítimo", talvez "filho de mãe solteira". A isso
aludia uma lenda judaica anti-cristã que atribuía o nascimento de Jesus a uma
relação ilegal ou adulterina, como faz o Talmud, quando fala de Jesus como
sendo ben Pantera, isto é, filho de um soldado romano (através da deformação de
Parthenos, virgem). A isso faria alusão também João (8,48). Mas essa
interpretação é pouco provável, pois José "não tinha estado aí por
nada": era justamente para garantir que Maria e seu filho eram realmente
"gente decente";
2. Ou seria
expressão de descrédito e desprezo. É como se os Nazarenos dissessem a Jesus:
"Quem você pretende ser? Se manque! Tua mãe é uma Maria qualquer".
Esta parece ser a hipótese mais provável. Portanto, "filho de Maria"
seria uma expressão despectiva e, com isso, marca da kenose (humilhação) do
Filho de Deus.
Resumo da
mariologia de Mc
1. Marcos é
ainda ignorante da grandeza de Maria.
Para Mc,
Maria era tão-somente a mãe carnal ou clânica de Jesus. A sua é uma mariologia
elementar, primária, primitiva. Mc ainda não sabe nada da dignidade teológica
da mãe de Jesus. É um ignorante em mariologia. Dá-nos
uma "Maria sem mariologia", uma "mariologia a-mariológica",
no sentido privativo, como, aliás, Paulo (Gl 4,4). Em ambos Maria é reduzida
à sua função biológica e social. Mc, porém, não chega a ser
"anti-mariológico", como afirmaram alguns estudiosos.
A lição que
fica para nós é que o "mistério de Maria", em seus inícios, era tão
obscuro que ficou praticamente invisível. O primeiro evangelho escrito sequer
suspeita do Mistério que envolve Maria e que os evangelistas seguintes porão
paulatinamente à luz.
2. Para Mc, Maria parece como ignorante da grandeza de Jesus.
Mc nos diz
que Maria, como todos os outros membros de seu clã, não compreendeu logo Jesus
e sua missão. Não só Mc é ignorante do "mistério de Maria", mas ele
dá a entender que Maria era ignorante do mistério de Jesus.
A lição que
fica para nós é que Maria começou sua peregrinação de fé (cf. LG 58)
praticamente do nada, do ponto zero. Ela foi crescendo a partir da obscuridade:
ex tenebris in lucem, segundo o epitáfio de John H. Newman.
Por isso
mesmo, Mc tem que ser lido sinoticamente, ou seja, junto com os outros
evangelistas. O possível "valor pastoral" de sua mariologia é que,
embora rasteira e irrelevante, ela serve para nós de instância crítica no
sentido de precaver-nos de pôr a grandeza de Maria nos dados puramente
biológicos (porque genitora) ou nos traços sócio-culturais (porque mãe
clânica). Por reação dialética, Mc nos provoca a superar seu
"a-mariologismo" para descobrir a importância teológica da Mãe do
"Filho de Deus" (Mc 1,1).
Komentarze
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Nieustanne potrzeby??? Nieustająca Pomoc!!!
Witamy u Mamy!!!